Filósofo que criou a idéia do Estado Natural e defendeu
a idéia de Tabula Rasa
| Filosofia |
|
John Locke nasceu em Wrington, em
Somerset, no sudoeste da Inglaterra, em 29 de agosto de 1632,
e faleceu com 72
anos, em 1704. A família de John Locke era da
linha puritana da religião anglicana, seu pai, também John Locke, era um
pequeno proprietário e sua mãe, Agnes Locke, filha de um curtidor. Viviam em um
chalé coberto de colmo num conjunto de moradias de famílias do mesmo nível da
sua. John Locke era o filho mais velho de três e seu
pai deu-lhe educação severa e correta, a qual Locke assim
a reconheceu depois de adulto.
O período da infância e adolescência de Locke deu-se
durante a ascensão de uma nova filosofia que resultaria no Iluminismo. As
descobertas de Galileu já se tornavam conhecidas, Campanella publicava
trabalhos em Paris e apareceram as primeiras publicações de Thomas Hobbes e
René Descartes.
Nesta mesma época ocorre também uma guerra civil na
Inglaterra, que durou de 1642 a1646, quando puritanos e presbiterianos escoceses
aliam-se contra o Rei Carlos I. Foi neste conflito que Cromwell comanda os
rebeldes. Condenado pelo Parlamento, o Rei Carlos I é executado em 1649. Seu
filho, o príncipe de Gales, posteriormente Carlos II, fugiu para a França,
refugiando-se em Paris.
John Locke está entre os filósofos
chamados empiristas, por compatibilizarem a ciência junto à filosofia,
valorizando a experiência como fonte de conhecimento. John Lockedestaca-se
pela sua teoria das idéias e pelo seu postulado da legitimidade da propriedade,
inserido na sua teoria social e política. Para ele, o direito de propriedade é
a base da liberdade humana "porque todo homem tem uma propriedade que é
sua própria pessoa". O governo, dizia, existe para proteger esse direito.
A reflexão
Segundo Locke, então, a mente não teria
absolutamente idéias inatas. O que seria inatas eram as faculdades: a mente
percebe, lembra, e combina a idéias que lhe chegam do mundo exterior. Ela
também deseja, delibera, e quer, e estas atividades mentais são elas próprias a
fonte de nova classe de idéias.
De acordo com Locke todas as idéias
de Reflexão caem nas seguintes subcategorias:
1. Memória: a habilidade de chamar uma idéia ausente de
volta à consciência;
2. Retenção: a habilidade de manter um pensamento na consciência;
3. Discernimento: a habilidade de reconhecer diferenças
entre as coisas;
4. Comparação: a habilidade de reconhecer as semelhanças
entre as coisas;
5. Composição: a habilidade de construir novas idéias
tomando como material, outras idéias; e
6. Abstração: a habilidade de distinguir princípios de
relação abstratos (tais como provas matemáticas), os quais jazem por trás de
outras idéias e assim criar uma idéia de generalidade.
A experiência é pois dupla. Nossa observação tanto pode
visar objetos externos da sensibilidade quanto operações internas da própria
mente. No primeiro caso as idéias são de sensação, no segundo, de reflexão. No
entanto, sem a sensação a mente não teria com que operar e portanto não poderia
ter idéias de suas operações, ou seja, idéias de reflexão.
Locke estava interessado nos tópicos
tradicionais da filosofia: o Eu, o Mundo, Deus e as bases do conhecimento. É
contemporâneo de Thomas Hobbes mas, ao contrário deste, é liberal e tem
convicções parlamentaristas. As teses de Locke influenciaram
enormemente as bases das democracias liberais, a tal ponto de, no século XVIII,
os iluministas franceses terem buscado as principais idéias responsáveis pela
Revolução Francesa em suas obras. Inclusive a teoria da separação dos três
poderes de Montesquieu foi inspiradaem Locke. Também influenciou
significativamente os pensadores norte-americanos na elaboração da declaração
de sua independência em 1776.
Formação
Após a vitória dos Parlamentaristas, aos 15 anos, Locke foi
indicado e aceito na Westminster School, em Londres, o velho Colégio de São
Pedro. Aí, Locke estudou principalmente grego e latim.
Em 1652, Locke foi aprovado para a
Christ Church College, o principal colégio em Oxford. Completou seus
estudos de bacharelado em artes, assistido por um tutor, conforme o sistema da
escola, no decurso de três anos e meio. Locke buscou
complementar sua educação com a leitura de obras contemporâneas de filosofia,
particularmente de Descartes. Interessou-se, acima de tudo, pela nova ciência
experimental criada por Roger Bacon e adquiriu formação médica. Seu interesse
pela medicina o aproxima de Richard Lower, um dos pioneiros da fisiologia
cardíaca e o primeiro a efetuar uma transfusão de sangue.
Os interesses principais de Locke recaíam
sobre as ciências naturais e pela investigação social e política. Mas aquelas
disciplinas básicas, no entanto, que constituíam o método escolástico, lhe
foram úteis mais tarde, como filósofo. Em 1660, Locke foi
eleito "Lecturer", um cargo próprio dos colégios ingleses,
equivalente a tutor, orientador ou instrutor de alunos de Grego no Christ
Church. Dois meses depois de sua nomeação seu pai faleceu, deixando-lhe algumas
terras e alguns chalés perto de Pensford. Este patrimônio pode dotar o filósofo
de uma renda suficiente para o resto de sua vida. Lockeacabou
por residir em Christ Church College por mais de trinta anos, tendo
se afastado apenas vez ou outra para ir à Londres ou para viagens ao exterior.
O Protetorado de Cromwell durou de 1653 até a data em que
morreu, em 1658. Com a morte de Cromwell, o Este casamento garantiu importantes
vantagens comerciais para a Inglaterra, a qual, em troca, dava a Dom João IV o
que ele mais desejava; a proteção contra a ameaça da Espanha de retomar seu domínio
sobre Portugal.
O envolvimento inicial de Locke com
a política começa em 1660, se considerava um monarquista e contrariando a
vocação política paterna. Nesse ano, por temer o fracionamento do país depois
da morte de Cromwell, o Parlamento chama de volta à Inglaterra o herdeiro do
trono e restaura monarquia, aclamando Carlos II.
Nessa época a linha de pensamento de Locke tende
ao autoritarismo, por temer a anarquia, segundo ele, e se alinha ao pensamento
de Hobbes. Mais tarde suas convicções políticas, inclusive sua postura quanto à
tolerância, haveria mudar, inclusive voltando-se radicalmente contra Hobbes.
Nas décadas seguintes Locke prosseguiu
em seus estudos privados e avançou seus estudos médicos e científicos,
assistindo aulas do fisiologista Thomas Willis, o qual tentava explicar o
funcionamento do corpo por interações químicas. Nesse período Locketambém
colaborou com Robert Boyle, um dos fundadores da química moderna. Tanto quanto Locke,
Boyle tinha preocupações religiosas, sustentando que o estudo científico da
natureza era um dever religioso. Nesta época Locke faz
outro amigo, Thomas Sydenham (o mesmo da Coréia de Sydenham), um eminente
cientista médico. Sydenham foi o fundador da medicina clínica.
Como diplomata
Em 1663, Locke foi eleito censor de
Filosofia Moral e manteve o cargo por um ano, ao fim do qual iria deixar Christ
Church. Seu irmão morreu aquele ano em Pensford e Lockedecidiu
passar algum tempo fora, como diplomata. A experiência diplomática de Locke,
apesar de curta, teve importante reflexo em sua filosofia. Ele foi o secretário
da missão diplomática de Sir Walter Vane a Brandenburg em 1665.
Em Brandenburgo ficou impressionado com a tolerância entre
as várias facções religiosas e escreveu a esse respeito uma carta para seu amigo
Boyle, ressaltando que aquela paz devia-se, parte ao poder dos magistrados,
parte à boa natureza e prudência do povo, o qual mantinha diferentes opiniões
sem nenhum ódio secreto ou rancor.
Brandenburg havia se mantido neutro na Guerra dos Trinta Anos
entre católicos, calvinistas e luteranos e Frederico Guilherme, o Grande
Eleitor, assumindo o poder em 1640, iniciou um programa de reconstrução do
principado, incluindo desde obras de fortificação militar a obras civis, como
por exemplo a construção de canais de navegação. Frederico efetivou também a
união da Prússia ao eleitorado, o que aumentava consideravelmente seu poder e
importância no contexto político europeu.
Foi a partir dessa experiência democrática de Brandenburgo,
que Locke começou a rejeitar a visão mais autoritária
de Thomas Hobbes. Depois de sua missão Brandenburgo, foram oferecidas a ele
numerosas oportunidades em outros diversos postos diplomáticos, os quais ele
declinou devido ao seu interesse em medicina, retornando ao seu domicílio em
Oxford.
Como Médico
Como médico, Locke conheceu e chamou
a atenção de Lord Anthony Ashley Cooper, por intermédio de Sydenham. Locke desejava
permanecer em Oxford e obter o grau de Doutor em Medicina sem ter que
freqüentar todas as classes, o que foi conseguido mediante empenho de Lord
Ashley junto ao Secretário de Estado. Foi permitindo a Lockeestudar
para o grau de Doutor em Medicina na Christ Church College sem as obrigações
acadêmicas de aluno. Em seguida, Lord Ashley convidou-o para fazer parte da
equipe de empregados de sua casa, servindo como médico da família. Locke aceitou
e viajou para Londres.
Lord Ashley era um político ousado e oponente radical de
Carlos II, o qual tentava refortalecer o absolutismo. Os ideais políticos de
Lord Ashley eram a monarquia constitucional, a sucessão do trono por um
protestante, liberdades civis, tolerância religiosa, governo através do parlamento
e expansão da economia britânica. Como tais ideais eram afins aos defendidos
por Locke, havia entre eles uma amizade e entendimento
perfeito.
Locke encontrava-se ainda com
representantes da escola de humanistas cristãos, os Platônicos de Cambridge,
intelectuais que, apesar de simpáticos à ciência empírica, opunham-se ao
materialismo por considerá-lo falho em explicar o elemento racional na vida
humana. Tendiam a ser liberais em política e religião, porém, tanto quanto
eles, ensinavam um Platonismo que se apoiava na crença de idéias inatas. Locke não
poderia compactuava totalmente com essas idéias, mas a ênfase deles na prática
dos costumes como uma parte da vida religiosa e a rejeição ao materialismo eram
aspectos que Lockeachava atraentes. Um desses humanistas,
adepto da existência de idéias inatas, era Ralph Cudworth, cuja filha haveria
de hospedar Locke em seus últimos anos e cuja obra
"Verdadeiro Sistema Intelectual do Universo" influenciou
consideravelmente seu pensamento. Apesar disso tudo, o Livro I do Ensaio de Locke é
dedicado à crítica do inatismo (das idéias inatas) defendido por Cudworth.
A escola humanista estava próxima de um outro grupo liberal
dissidente da Igreja Anglicana, a do Latitudinarianismo, o qual também
influenciou Locke nessa época. Para esse grupo, se um
homem confessava Cristo, isto apenas deveria ser suficiente para habilitá-lo a
ser membro da Igreja Cristã, e os demais acordos em coisas não essenciais não
deveria ser requerido. Esses movimentos prepararam Locke para
a escola antidogmática e liberal de teologia que ele encontraria mais tarde na
Holanda, uma escola em rebeldia contra a estreiteza do Calvinismo tradicional.
A Filosofia acabou por afastar Locke por
certo tempo da medicina. Em 1668, Benjamin Whitcote, o teólogo latitudinário
líder da Cambridge School e vigário da St. Lawrence Jewry, em Londres, atraiu Locke para
sua congregação. Esta congregação professava uma forma de cristianismo que
considerava a teologia como racional. Essa visão da teologia reacendeu o
interesse de Locke pela religião e pelas escrituras,
sobre o que publicaria mais tarde um trabalho.
Interessou-se Locke também por
Economia, preparando o trabalho que publicaria anos mais tarde com o título
Algumas Considerações sobre a Redução dos Juros e o Aumento do Valor da Moeda.
Porém retornou ao interesse médico quando Ashley adoeceu subitamente. Ele
salvou a vida do estadista por meio de uma habilidosa cirurgia, quando este
adoeceu em maio de 1668. Então Locke teve que por de
lado qualquer projeto para se entregar inteiramente a dar-lhe cuidado médico.
Diagnosticou a doença como problema do fígado. Fez um
cirurgião drenar um cisto, inserindo um tubo de prata. Ashley recuperou
maravilhosamente e concluiu que devia sua vida a Locke.
Locke era conselheiro pessoal de Ashley
não apenas em matéria médica mas também em assuntos gerais. Fez os acertos para
o casamento do herdeiro de Ashley com a filha do duque de Rutland, assistiu sua
nora em 1671 no seu resguardo e dirigiu a alimentação e educação do recém
nascido, o qual viria a ser o 3º Conde de Shaftesbury, o famoso autor de
Characteristics of Man, Manners, Opinions, Times, obra que despertou grande interesse
entre os intelectuais europeus, inclusive de Kant. Assessorou Lord Ashley em
vários assuntos políticos importantes e conviveu com os mais altos círculos
intelectuais e políticos da época. Devido a Lord Ashley ter direitos de
propriedade na Carolina, Estados Unidos, Locke participou
da elaboração de uma constituição para aquele futuro estado americano. Nesta
época começa também a redigir o que seria "O Ensaio sobre o Entendimento
Humano" no que trabalhou por mais de 20 anos.
Nos anos passados em Londres, Locke tornou-se
também membro da Sociedade Real, onde se procedia a discussões, experiências e
demonstrações científicas. A sociedade fora fundada cinco anos antes e, como
membro, Locke estava em dia com os avanços científicos.
Seus próprios aposentos pessoais eram uma extensão da Sociedade. Seus amigos
certamente ansiavam por aquelas horas de alheamento das preocupações diárias em
que, na mais cálida amizade, se reuniam nos aposentos de Locke para
conversar sobre achados científicos e sobre questões filosóficas. O próprio Locke iniciava
os debates e assim discutiu e anotou os pontos de vista sobre o conhecimento
humano como rascunho do que 19 anos mais tarde seria o seu famoso
"Ensaio".
Como Político
A partir 1667 Lord Ashley ganhou poder, dando um passo na
direção do mais alto cargo do reino ao integrar o grupo de cinco membros do
ministério do Rei conhecido como a "Cabal", um trocadilho porque as
primeiras letras dos nomes de seus cinco membros formavam a palavra cabal, o mesmo
que "cabala".
Em 1672 Ashley foi feito Primeiro Conde de Shaftesbury e ao
final desse mesmo ano foi nomeado Lord Chanceler da Inglaterra, o mais alto do
governo. Na ocasião Locke vinha sofrendo muito com a
fumaça e a neblina de Londres; no inverno Locke tossia
dia e noite e tinha cada vez maior dificuldade para respirar. Apesar de
necessitar sempre da assistência de Locke, Lord Ashley
permitiu-lhe umas férias na França. Locke decidiu
viajar com um grupo para a França, em caráter de lazer.
Da França Locke foi chamado de volta
à Inglaterra por Ashley. Primeiro na função de secretário de benefícios
"Secretary of Presentations", onde lhe cabia supervisionar assuntos
eclesiásticos que eram afetos à chancelaria de Ashley e, no ano seguinte, como
secretário do Conselho do Comércio e Agricultura que Ashley havia criado.
Após dois anos na secretaria do Conselho do Comércio, Locke,
incomodado pela asma de que sofria, deixou Londres, voltando para Oxford e
decidido a finalizar os estudos requeridos para o bacharelado em Medicina, o
que obteve em fins de 1674. No início do ano seguinte foi indicado para uma das
duas residências de medicina do colégio. No entanto, receoso da grave situação
política, Locke decidiu deixar a Inglaterra e passar
uma temporada na França.
Residia em Montpellier e o diário que escreveu desse período
contém suas observações sobre lugares, costumes e instituições do país. Contém
também muitos pensamentos que depois tomariam forma de postulados no seu
"Ensaio sobre o Entendimento Humano". Em Montpellier recebeu a
notícia de que Lord Ashley havia sido preso na Torre de Londres. Se estivesse
na Inglaterra, teria sido preso com ele, do mesmo modo que outros auxiliares
imediatos seus foram detidos.
A permanência de Locke na França
deixou de ser apenas interesse seu, quando se tornou tutor do jovem filho de um
amigo de Lord Ashley. No caminho entre Montpellier e Paris, onde iria encontrar
o jovem discípulo, Locke sofreu o contratempo de uma
febre alta e precisou de um mês para recuperar-se e concluir a viagem até a
Capital, onde o jovem o aguardava. Em Paris, Locke fez
contactos que influenciaram profundamente sua visão da Metafísica e da
Epistemologia, principalmente com a escola seguidora de Gassendi e com seu
líder François Vernier.
O já falecido Pierre Gassendi, filósofo e cientista, havia
criticado a super-especulação na filosofia racionalista de Descartes e
defendera o retorno à doutrina de Epicuro, isto é, o retorno ao empirismo,
enfatizando a experiência dos sentidos, o hedonismo (sustentando ser o prazer o
bem), e a física corpuscular (com a realidade feita de partículas atômicas).
Gassendi, como empirista, sustentava que o conhecimento do mundo exterior
depende dos sentidos, porém o homem pode, através da razão, derivar muita
informação além da evidência ganha empiricamente.
Como Exilado
Após quatro anos na França Locke retornou
à Inglaterra e imediatamente para a casa de Lord Ashley. Este havia ficado
preso um ano na Torre mas, ao tempo da volta de Locke, já
estava livre e fazendo política novamente como presidente do Conselho Privado,
enquanto seus inimigos estavam prisioneiros em seu lugar. Locke era
novamente seu braço direito.
Lord Ashley, agora Conde de Shaftesbury, como sempre, estava
do lado do Parlamento e opondo-se às medidas de Carlos II, defensor do
absolutismo. Por outro lado, o herdeiro do trono, James, irmão de Carlos II,
era católico, e a maioria protestante liderada por Shftesbutry queria excluí-lo
da sucessão.
Em 1681, por não conseguir conciliar os interesses do rei
com os do Parlamento, Lord Ashley foi demitido e Carlos II dissolveu o
parlamento. Com essa medida as disputas entre realistas e parlamentaristas
reacendeu e Lord Ashley pensou organizar uma revolta, mas seus planos foram descobertos
e ele e seus auxiliares e amigos passaram a ser muito vigiados. Espiões foram
designados para vigiar inclusive Locke. Pelo final do ano o
governo tinha evidências suficientes para prender Lord Ashley de novo, mas
acabou sendo absolvido por um jure de Londres. Lord Ashley fugiu para a
Holanda, onde veio a falecer no início de 1683.
A fama de Hobbes, morto em 1679, foi logo sucedida pela de John Locke,
mas sua permanência na Inglaterra tornou-se politicamente insustentável. Em
1683 uma carta enviada da Corte ao reitor do Christ Church College advertia que Locke,
que era da casa do Lord Ashley, havia se comportado em várias ocasiões
desobedientemente para com o governo. Locke apresentou
sua defesa em uma carta e recebeu de um amigo, Lord Pembroke, a garantia de que
havia limpado seu nome com o Rei. Porém, Locke decidiu
refugiar-se na Holanda por garantia, confiando a um amigo íntimo, o parlamentar
Edward Clarke, seus interesses na Inglaterra.
No ano seguinte seu nome foi incluído numa lista enviada ao
governo holandês de 84 traidores procurados pelo governo Inglês. Para escapar
de ser preso e deportado, Lockeprudentemente mudou de nome,
fazendo-se chamar Dr. Van der Linden. Para se proteger melhor, Locke mudava-se
de uma cidade para outra e visitava furtivamente seus amigos.
No exílio sua saúde melhorou e fez muitos amigos entre os
intelectuais holandeses, podendo dedicar-se mais à medicina. Lá fez amigos e
teve tranqüilidade para colocar em ordem seus pensamentos sobre as questões
filosóficas que o preocupavam e, principalmente, escrever mais alguns capítulos
do Essay Concerning Human Understanding e do Letters on Toleration. Foi nessa
época, em 1686, que Isaac Newton comunica à Royal Society de Londres sua
hipótese sobre a gravitação universal e Leibniz escreve obras importantes (o
Discurso de Metafísica e o Systema Theologicum).
Locke permaneceu na Holanda até 1688, quando
Jaime II, coroado em 1685, foi derrubado. O casamento de Carlos II não deu
filhos. Pouco antes dele morrer, Catarina levou-o a reconciliar-se com a Igreja
Católica. Parecia que o exílio na Holanda iria ser longo para Locke.
O rei católico, irmão e sucessor de Carlos II, tentou sufocar a igreja
anglicana. O Parlamento reagiu e o depôs, obrigando-o a fugir para a França.
Foi a célebre "Revolução Gloriosa".
Essa "Revolução sem sangue e gloriosa" ("the
glorious bloodless revolution") havia cumprido os ideais de Shaftesbury e Locke e,
finalmente, a Inglaterra se tornara monarquia constitucional, controlada pelo
Parlamento. A partir de Guilherme III o monarca inglês é figura decorativa.
Após esta revolução tornaram-se maiores a liberdade do indivíduo nas cortes de
justiça, a tolerância religiosa e a liberdade de pensamento e expressão.
Encorajado a voltar para a Inglaterra pela mudança política, Locke pôs
seus negócios em ordem, fez as malas e partiu para a Inglaterra em 1689.
Por ocasião de seu regresso à Inglaterra Locke contava
cinqüenta e sete anos e, devido aos seus problemas de saúde motivados pela
poluição de Londres, deixava a cidade tantas vezes quanto possível para ir ao
interior. Por causa dessas viagens Locke acaba por se
hospedar na mansão de Oates, uma pequena propriedade rural pertencente Sir
Francis e Lady Masham.
Sua anfitriã era filha de Ralph Cudworth, professor
platonista de Cambridge, a quemLocke admirava pelo tipo de
teologia liberal. Uma crescente afinidade intelectual com essa família levou-o
a aceitar a oferta de moradia em casa de Lady Masham. Sua saúde melhorou e de
lá continuou a manter uma certa influência política como líder intelectual dos
parlamentaristas Whigs. A maior tarefa deste último período de sua vida, no
entanto, seria a publicação de seus trabalhos, os quais eram o produto de
longos anos de gestação. Encontrou editor para seus dois grandes trabalhos logo
que retornou; o famoso Ensaio Sobre o Entendimento Humano, e o igualmente
importante Dois Tratados Sobre o Governo Civil. Publicou este último trabalho
anonimamente e, de tão determinado a ocultar sua autoria dessa obra destruiu
todas as cartas e manuscritos a ela referentes.
Em março de 1690 apareceu o longamente esperado "Ensaio
sobre o Entendimento Humano" (Essay concerning Human Understanding), sobre
o qual havia trabalhado intermitentemente desde 1671. O livro alcançou sucesso
imediato e provocou uma volumosa literatura de ataque e resposta. De uma parte
os jovens queriam introduzi-lo na universidade e de outro, as elites se
reuniram para descobrir um meio de suprimi-lo. Uma versão simplificada do
Ensaio foi publicada como introdução para estudantes universitários. Novas
edições revistas surgiram em 1694, 1695, e 1700.
Parece que a partir do simples gosto por cuidar da saúde das
crianças, Lockedesenvolveu um interesse por normas úteis à
sua educação. Ele havia escrito a Clarke, da Holanda, uma série de cartas
aconselhando-o quanto à melhor educação de seu filho. Estas cartas formaram a
base de seu influente Alguns Pensamentos Relativos à Educação, saído em 1693,
criando novos ideais no campo da educação.
Em 1695 Locke publicou um tratado
religioso com um elevado apelo por um cristianismo menos dogmático, intitulado
The Reasonableness of Christianity, onde vê as escrituras como uma coleção de
escritos destinados por Deus para a instrução do grosso analfabeto da
humanidade no caminho da salvação, e, portanto, de modo geral e nas questões
principais, para ser entendida no sentido pleno e direto de palavras e frases.
Publicou essa obra anonimamente.
Retornou ainda uma vez à vida pública quando, em 1696, foi
escolhido pelo Rei para ser um dos Comissários para Comércio e Agricultura.
Para cumprir suas obrigações Locke foi forçado a
mudar-se de Oates para Londres, a despeito do agravamento de sua asma. Neste
cargo Locke tratava de assuntos de comércio com as
colônias e agricultura, exercendo uma mão firme dentro do conselho. Quatro anos
mais tarde decidiu afastar-se do Conselho devido principalmente a sua saúde
decadente.
Nos anos seguintes Locke raramente
deixou Oates. e ocupou-se, principalmente, de responder a críticas ou revisar
edições de seus trabalhos. Uma das críticas teve repercussão maior; foi a de
Edward Stillingfleet, bispo de Worcester que, em seu Vindication of
the Doctrine of the Trinity (1696), atacou a nova filosofia. Sua crítica chamou
atenção para um dos pontos menos satisfatórios do "Ensaio", a
explicação da idéia de "substância". Locke respondeu
no início de 1697 em A Letter to the Bishop of Worcester.
Stillingfleet retrucou poucos meses depois e Locke aprontou
logo uma segunda carta. Stillingfleet fez nova replica em 1698 e uma extensa
carta de Lockeapareceu em 1699, ano em que a polêmica foi
interrompida pela morte do bispo.
Ao fim de sua vida Locke ficou
extremamente doente ao ponto de não poder levantar-se do leito. Faleceu a 28 de
outubro de 1704, aos 72 anos. Foi enterrado na igreja paroquial de High Laver.
A Origem das idéias
A principal preocupação de Locke em
sua teoria do conhecimento foi combater doutrina difundida por Descartes, da
existência de idéias inatas na mente do homem. Para Lockea
mente humana era como uma folha em branco que receberia impressões através dos
sentidos, a partir das experiências do indivíduo (empirismo), sem trazer
consigo do nascimento, quaisquer idéias tais como a de "extensão", de
"perfeição" e outras, como pretendia Descartes. Locke achava
que o conhecimento, a formação de idéias, começava pelos sentidos, conforme se
vê na descrição "Das idéias simples", em seu "Ensaio sobre o
Entendimento Humano".
Disse: "Somente são imagináveis as qualidades que
afetam aos sentidos."..."E se a humanidade houvesse sido dotada de
tão somente quatro sentidos, então, as qualidades que são o objeto do quinto
sentido estariam tão afastadas de nossa noticia, de nossa imaginação e de nossa
concepção, como podem estar agora as que poderiam pertencer a um sexto, sétimo
ou oitavo sentidos"...que talvez existam em outras criaturas "em
alguma outra parte deste dilatado e maravilhoso universo". Para ele todas
as idéias viriam ou da experiência de sensação ou da experiência de reflexão.
A sensação
Sobre a sensação ele diz: "Em primeiro lugar, nossos
sentidos, que têm trato com objetos sensíveis particulares, transmitem
respectivas e distintas percepções de coisas à mente, segundo os variados modos
em que esses objetos os afetam, e é assim como chegamos a possuir essas idéias
que temos do amarelo, do branco, do calor, do frio, do macio, do duro, do
amargo, do doce, e de todas aquelas que chamamos qualidades sensíveis. ...a
chamo sensação".
Locke utiliza o termo "idéia"
com um significado amplo. Inclui todos os diferentes modos da experiência de
consciência: representação e imagem, percepção, conceito ou noção, sentimento,
etc. um uso muito diverso do que, por exemplo, faz Platão.
Idéias de qualidades primárias e secundárias
Locke chama de qualidades primárias,
aquelas idéias que concebemos por influência direta do objeto. "Assim
consideradas, as qualidades nos corpos são, primeiro, aquelas (idéias)
inteiramente inseparáveis do corpo, qualquer que seja o estado em que se
encontre. Por exemplo, tomemos um grão de trigo e dividamo-lo em duas partes;
cada parte tem (a idéia de) solidez, extensão, forma e mobilidade. ... e si se
segue dividindo até que as partes se tornem imperceptíveis, reterão
necessariamente, cada uma delas, todas essas qualidades."
Em segundo lugar, há idéias de qualidades tais que em
verdade não correspondem a nada nos objetos mesmos, mas sim, a poderes que os
objetos têm de produzir indiretamente em nós diversas sensações. Sua aparência,
forma, volume, textura e ou movimento de suas partes imperceptíveis, e assim
são as cores, os sons, os gostos, cheiros, etc.
A estas, Locke chama
"qualidades secundárias", e teoria que, do mesmo modo como as coisas
produzem em nós as idéias de qualidades primárias, também produzem as idéias
das qualidades secundarias, ou seja, pela operação de partículas imperceptíveis
sobre nossos sentidos. As qualidades secundárias dependeriam das qualidades
primarias.
Quando Locke disse tocante às cores
e cheiros, pode entender-se também respeito a gostos, sons e demais qualidades
sensíveis semelhantes, as quais, qualquer que seja a realidade que
equivocadamente lhes atribuímos, não são nada em verdade nos objetos mesmos,
sino poderes de produzir em nós diversas sensações, e dependem de aquelas
qualidades primarias, a saber: volume, forma, textura e movimento de suas
partes, como já disse.
As idéias das qualidades primárias são semelhanças com algo
que está nos corpos, mas as qualidades secundárias, nada há nos corpos que se
lhes assemelhem. Nos corpos somente há as ditas qualidades primárias que, no
entanto, podem, por variação de volume, forma e movimento das partes imperceptíveis
dos corpos mesmos produzir em nós essas sensações que são secundárias; como a
idéia de doce, azul, quente, etc.
Classificação das idéias.
Essa classificação geral em idéias de sensação e de reflexão
tem duas categorias cada uma: Idéias simples e idéias complexas.
Idéias simples
São aquelas que não podem ser distinguidas em diferentes
idéias, como quente, frio, branco, etc., e Idéias complexas as que são
produzidas pelo entendimento por repetição, comparação, união de idéias
simples. E nada há mais claro para um homem que a percepção clara e distinta
que tem das idéias simples; a frialdade e a dureza, que um homem sente em um
pedaço de gelo, são, na mente, idéias tão distintas como o aroma e a brancura
de um lírio, ou como o sabor do açúcar e o aroma de uma rosa. No entanto, tem sido
demonstrado por alguns autores que certos exemplos de idéias simples dados por Locke são
na verdade idéias complexas.
Idéias complexas
A mente tem o poder de considerar as varias idéias unidas,
como uma só idéia. As idéias complexas são aquelas produzidas pelo conhecimento
repetindo, comparando ou unido idéias simples. Às idéias assim feitas de varias
idéias simples unidas Locke chama "idéias
complexas". Exemplo: beleza, gratidão, um homem, um exército, o universo.
As idéias simples são os elementos das idéias compostas, seja combinada na
idéia de uma coisa única, como por exemplo, a idéia de homem ou de ouro, seja
combinada em idéias de coisas compostas, mas que continuam representando coisas
distintas, como são as idéias de relação, como a de filiação, que une, sem
alterá-las as idéias de pai e filho.
Qualquer que seja a maneira como as idéias complexas se
compõem e descompõem, e ainda quando seu número seja infinito, e não tenha
término a variedade com que enchem e ocupam os pensamentos dos homens, sem
embargo me parece que podem compreender se todas dentro de estes três
capítulos:
1) Os modos.
2) As substancias.
3) As relaciones.
Modos
Desculpando-se por usar a palavra em um sentido um tanto
diferente do significado habitual, Locke chama
"modos" as idéias complexas originárias de qualquer combinação, e que
não subsistem por si mesmas. Tais são as idéias significadas pelas palavras
triângulo, gratidão, assassinato, poder, identidade, ou um número, por exemplo.
Subdivisão dos modos.
Locke distingue duas classes de modos,
simples e compostos ou mistos.
Nos primeiros a idéia simples combina-se consigo mesma, como
a idéia de número, que resulta da combinação das idéias de unidades; ou a de
espaço, proveniente da combinação das idéias de partes homogêneas. A idéia do
Infinito é um modo simples, resultante da repetição ilimitada da unidade
homogênea de número, duração e espaço. Também a idéia de Poder é um modo
simples, formado pela repetida experiência de modificações comprovadas nas
coisas sensíveis e no próprio homem por um determinado agente. Os modos
compostos, ou mistos, derivam da combinação de várias idéias simples
diferentes, heterogêneas. Exemplos: a idéia de beleza, que consiste em uma
certa composição de várias idéias de cor e forma que produz gozo no espectador.
Substância
Locke define Substâncias segundo diz a
própria palavra, coisas que subsistem por si; seria o caso da idéia de homem
entre outras. A Substância não é mais que o conjunto de idéias simples, que a
experiência mostra sempre de forma agrupadas: o ouro é dúctil, denso, amarelo,
etc. O substrato daquilo que os sentidos nos transmitem é incognoscível. A
substância, como coisa em si, existe, mas não se pode saber o que seja, e a
única investigação possível é a pesquisa experimental das idéias de qualidade
que lhes atribuímos: conjunto de idéias simples de sensação.
Objeta-se a Locke que tomar
"substância" como um substrato que imaginamos para as coisas é uma
simplificação inaceitável. Ao contrário dos modos, subsistem por si mesmas e
são singulares ou coletivas. Substâncias singulares são aquelas combinações de
idéias simples que se supõe representam distintas coisas particulares que
subsistem por si mesmas. Assim, se a substancia se une a idéia simples de um
certo cor esbranquiçado apagado, com certos grados de peso, de dureza, de
ductibilidade e de fusibilidade, teremos a idéia do chumbo. Substâncias
coletivas são aquelas combinações de idéias reunidas, como um exército de
homens, ou um rebanho de ovelhas; essas idéias coletivas de varias substancias
assim reunidas, são, elas mesmas, uma idéia única, complexa, como o é, por
exemplo, a de homem.
Alma
Analogamente a substância, é um conjunto de idéias de
reflexão.
A relação
Terceiro, a última espécie de idéias complexas é a que Locke chama
"relação", que consiste na consideração e comparação de uma idéia com
outra. Assim são as propriedades de relações matemáticas como quadrado,
triangular, etc. São relações em termos de propriedades relacionais matemáticas
como o quadrado, o triângulo, etc.
A verdade
O conhecimento é a "percepção das conexões de um
acordo, ou desacordo e repugnância entre nossas idéias". Este acordo ou
desacordo pode ser de quatro tipos: identidade ou diversidade, relação,
coexistência ou conexão necessária, existência real. O conhecimento humano,
segundo Locke, se apóia:
1. na experiência do mundo exterior adquirida através dos
sentidos e
2. sobre aquilo do mundo interior de fatos psíquicos obtidos
através da introspecção (ou reflexão).
No primeiro caso, o acordo ou desacordo é percebido
imediatamente, por intuição; no segundo, ele é percebido através da
demonstração, mediante a mediação de uma terceira idéia, porém cada passo na
demonstração é ela mesma uma intuição, uma vez que o acordo ou desacordo entre
duas idéias comparadas será imediatamente percebido. Isto reduz todo o processo
à pura intuição estruturada em reflexão e a própria certeza é intuitiva.
Portanto, apesar de que o conhecimento se origina na
experiência sensível e introspectiva, isto é apenas o começo; porque muitos
outros fatores têm que ser cuidados também - fatores tais como o raciocínio, o
qual habilita uma pessoa a deduzir, de proposições empiricamente baseadas,
conclusões mais gerais a respeito do mundo, tanto físico quanto mental. Tal
raciocínio pode ser indutivo (parte do particular para as leis gerais) ou ele
pode ser dedutivo (o geral rege o particular).
O raciocínio matemático, por exemplo, é dedutivo; e este
tipo de conhecimento é somente para ser entendido. Locke adverte
que as proposições da Matemática e da Ética são demonstráveis, porém se referem
à combinação de idéias complexas geradas na própria mente: não são garantia de
qualquer coisa fora da mente. Os conhecimentos matemático e ético envolvem
relações entre idéias e não pretendem coisas de existência real. Por isso suas
proposições não são garantia de qualquer coisa fora da mente. Assim, os
conhecimentos matemáticos e éticos podem ser firmemente estabelecidos, porque
envolvem relações entre idéias e não pretendem coisas de existência real.
A intuição, permite discernir as relações entre afirmações
(relações) que garantem a extração de inferências. Através de tais intuições
intelectuais, o conhecimento necessário e universal é possível. Porém, a
dedução permite a certeza em apenas dois casos; quando se trata do conhecimento
de coisas que realmente existem, só existem duas certezas: nossa existência,
por intuição, e a existência de Deus, por demonstração. Quanto ao Eu, a certeza
intuitiva é proveniente da reflexão (um encadeamento de intuições), que o homem
tem de sua própria existência: certeza da existência do nosso Eu (Descartes). Locke concorda
com Descartes em que a existência do Eu está implicada em cada estado de
consciência.
Quanto a Deus, se existem seres inteligentes, deve existir
uma causa inteligente. É a certeza demonstrativa da existência de Deus por
demonstração: da existência do efeito (o mundo) se infere a existência da causa
que o produziu (prova a posteriori). Locke concluiu
que, no caso dos seres humanos, o conhecimento intuitivo está limitado em
extensão na maioria dos casos, conhecimento é somente provável, e Locke examinou
os graus de probabilidade e a natureza da evidência.
A respeito da existência de Deus, sua prova está em nossa
própria existência. Uma pessoa sabe intuitivamente que ela é algo que existe.
Ela sabe que o nada não pode produzir qualquer coisa e então, se ela existe,
esta é uma demonstração de que, por toda a eternidade antes dela, existiu
aquele que a criou e criou todas as coisas. Esse argumento é do tipo cosmológico.
Além do conhecimento propriamente (intuitivo e
demonstrativo) Locke reconhece um terceiro grau de
conhecimento, que não faz jus estritamente a esse nome. Este é nossa apreensão
sensível das coisas externas, ou de objetos reais além de nós mesmos e Deus: é
a certeza por sensação referente aos corpos exteriores ao homem: certeza da
existência das coisas externas por meio da sensação. À esta certeza proveniente
da correspondência das idéias à realidade Locke faz
corresponder também a verdade encontrada na área das ciências experimentais,
área do conhecimento na qual a certeza das ciências ideais (matemáticas e
morais) não está presente.
Locke reconheceu que as ciências naturais
não podem dar certeza completa. O conhecimento empírico derivado dessa fonte é
incerto e nunca propicia mais que probabilidade, enquanto o ideal do
conhecimento é a certeza. A certeza no domínio das ciências experimentais,
dependeria do critério de verificação da adequação entre as idéias que estão na
mente humana e a realidade exterior a ela. No entanto, cuidadoso raciocínio,
com a aplicação de raciocínio matemático onde possível, irá aumentar a
probabilidade de atingir conhecimento verdadeiro nesse campo.
A Vontade
Um outro aspecto da mente humana com a qual lida Locke é
o da Vontade. Lockereconhece a existência da vontade humana
afirmando que os homens estão basicamente estruturados para experimentar as
sensações de dor e prazer, e que toda ação é o resultado de um movimento no
sentido de um ou movimento de afastamento do outro. Ele escreve: "A dor
tem a mesma eficácia que o prazer tem e, costumeiramente nos predispõe ao
trabalho, estando nós tão prontos a empregar nossas faculdades para evitar a
dor, como a perseguir o prazer". Porém mais adiante, no entanto, expressa o
pensamento de que o homem é capaz de escolher por si mesmo o que é agradável ou
penoso, apesar de possuir instalado pelo criador o mecanismo que dirige o homem
para o prazer e para fugir da dor.
Natureza Humana
Em todos essas questões sociais e políticas Locke via
que o fator último é a natureza do homem. Locke tinha
consciência deste ponto ao escrever seu trabalho sobre a Lei da Natureza em
1662. Locke explica a vontade humana afirmando que os
homens estão basicamente estruturados para experimentar sensações de dor e
prazer, e que toda ação é o resultado de buscar um ou fugir do outro. Para
entender o homem, no entanto, não é suficiente observar suas ações, é
necessário também perguntar pela sua capacidade de conhecimento. Para Locke,
os homens nascem livres e com direitos iguais: "nascemos livres na mesma
medida em que nascemos racionais". O governo e o poder político são
necessários, mas assim também é a liberdade do cidadão: e em um tipo de governo
democrático, monarquia constitucional, um tipo de governo é possível no qual o
povo ainda é livre.
Estado natural
Em primeiro lugar, no Estado Natural não tem governo como
nas sociedades políticas, falta uma lei estabelecida, fixa e conhecida; mas os
homens estão sujeitos à lei moral, que é a lei de Deus. No entanto, apesar de
que a lei natural é clara e inteligível para todas as criaturas racionais, os
homens, sem embargo, têm tendência a não considerá-la como obrigatória quando
se refere a seus próprios casos particulares. Em segundo lugar, falta no estado
de natureza um juiz público e imparcial, com autoridade para resolver os
pleitos que surjam entre os homens, segundo a lei estabelecida. Em terceiro lugar,
falta no estado de natureza um poder que respalde e dê força a uma causa justa.
Aquele que por injustiça cometa alguma ofensa, lhes é possível fazer que sua
injustiça impere por meio da força.
No Estado Natural os homens seriam iguais, independentes e
governados pela razão. Porque no estado de natureza (omitindo agora a liberdade
que se tem para desfrutar de prazeres inocentes), um homem possui dois poderes:
1 - O primeiro é o de fazer tudo o que lhe pareça oportuno
para a preservação de si mesmo e dos outros, dentro do que lhe permite a lei da
natureza. Por virtude dessa lei, que é comum a todos eles, ele e o resto da
humanidade são uma comunidade, constituem uma sociedade separada das demais criaturas.
E se não fora pela corrupção e maldade de homens degenerados, não haveria
necessidade de nenhuma outra sociedade, e não haveria necessidade de que os
homens se separassem desta grande e natural comunidade para reunir-se, mediante
acordos declarados, em associações pequenas e afastadas umas das outras.
2 - O outro poder que tem o homem no estado de natureza é o
poder de castigar os crimes cometidos contra essa lei. A ambos poderes renuncia
o homem quando se une a una sociedade política particular ou privada, se
podemos chama-la assim, e se incorpora a um Estado separado do resto da
humanidade.
Propriedade
Locke argumenta que, quando os homens se
multiplicaram a terra se tornou escassa, fizeram-se necessárias leis além da
lei moral ou lei da natureza. Isto o leva a querer unir-se em sociedade com
outros que, tanto quanto ele, tenha a intenção de preservar suas vidas, sua
liberdade e suas posses, e a tudo isso Locke chama de
propriedade. Mas não é esta a causa imediata da constituição do governo.
O direito à propriedade seria natural e anterior à sociedade
civil, mas não inato. Sua origem residiria na relação concreta entre o homem e
as coisas, através do processo do trabalho. O trabalho é a origem e
justificação da propriedade. Se, graças a este o homem transforma as coisas,
pensa Locke, o homem adquire o direito de propriedade.
Locke considera que, no seu estado
natural, o homem é senhor de sua própria pessoa e de suas coisas, e não está
subordinado a ninguém. O resultado que está sujeito constantemente à incerteza
e à ameaça dos demais pois no estado natural um é rei tanto quanto os demais, e
como a maior parte dos homens não observa estritamente a equidade e a justiça,
o desfrute da propriedade que um homem tem em uma situação dessas é sumamente
inseguro.
Origem da sociedade
Porque o homem teria criado a sociedade? Devido à ameaça à
propriedade, à conservação da liberdade e a aspiração de igualdade. Para evitar
a concretização dessas ameaças o homem teria abandonado o estado natural e
criado a sociedade política. A sociedade civil tem origem quando a lei moral
não é mais respeitada e o homem precisa exercer seu direito natural de punir os
transgressores.
Faz-se necessária então a administração da Lei conferida,
por via de um compromisso social ou contrato a oficiais autorizados. Por traz
destes postulados está a idéia da independência do indivíduo. No primeiro e no
segundo "Tratado sobre o Governo Civil",Locke sustenta
que o estado da sociedade e, conseqüentemente, o poder político, nascem de um
pacto entre os homens. Antes desse acordo os homens viveriam em estado natural,
tal como pensava Hobbes. Ao entrar em sociedade, os homens renunciam à
igualdade, à liberdade e ao Estado Natural.
Segundo Hobbes, no Estado Natural, todos os homens teriam o
destino de preservar a paz e a humanidade e evitar ferir os direitos dos outros
(deveres que Locke considera próprio do estado
natural). O pacto social primordial seria apenas um acordo entre indivíduos
reunidos para empregar sua força coletiva na execução das leis naturais
renunciando a executá-las pelas mãos de cada um. Seu objetivo seria a
preservação da vida, da liberdade e da propriedade.
O Governo
Locke acreditava que a liberdade que o
povo podia ter não era absoluta e que o povo cedia parte dessa liberdade a fim
de manter a segurança. O Governo, diz Locke, é uma
delegação; seu propósito é a segurança da pessoa e da propriedade dos cidadãos,
e os indivíduos teriam o direito de retirar sua confiança no governante quando
este falha na sua tarefa. Por conseguinte, o grande e principal fim que leva a
os homens a unir-se em estados e a colocar-se sob um governo, é a preservação
de sua propriedade.
Na sociedade política, pelo contrato social, as leis
aprovadas por mútuo consentimento de seus membros e aplicadas por juizes
imparciais manteriam a harmonia geral entre os homens. Os homens transferem à
comunidade social, através do pacto, o direito legislativo e executivo
individuais. O soberano seria, assim, o agente executor da soberania do povo.
O acordo que dá legitimidade ao governo é por sua vez
fundamentado nos dois direitos do homem na sociedade natural: o de sua
preservação e de seus bens e o de castigar a infração à lei natural. Neste
acordo vê Locke o fundamento da legitimidade do poder
legislativo e do poder executivo. Isto cria o desejo de cada renunciar ao poder
de castigar que tem, e de entregá-lo a una sola pessoa para que o exerça entre
eles; isto é o que os leva a conduzir-se segundo as regras que a comunidade, ou
aqueles que tenham sido por eles autorizados para tal propósito, há acordado.
O homem renuncia ao primeiro poder que tem no estado
natural, o de empregar a própria força para se defender, confiando essa tarefa
ao governo. Esse poder é abandonado pelo homem para reger-se por leis feitas
pela sociedade, na medida em que a preservação de si mesmo e do resto dessa
sociedade o requeira; e essas leis da sociedade limitam em muitas coisas a
liberdade que o homem tinha quando obedecia apenas à lei da natureza.
Em segundo lugar, o homem renuncia ao segundo poder que tem
no estado natural, o de empregar a própria força para castigar os infratores
confiando essa tarefa ao governo, segundo poder este que podia empregar antes
na execução da lei da natureza, tal e como ele quisera e com autoridade
própria.
Neste novo Estado, no qual vai desfrutar de muitas
comodidades derivadas do trabalho, da assistência e da associação de outros que
laboram unidos na mesma comunidade, assim como da proteção que vai a receber de
toda a força gerada por dita comunidade, há de compartir com os outros algo de
sua própria liberdade na medida que lhe corresponda, contribuindo por si mesmo
ao bem, a prosperidade e a seguridade da sociedade. No entanto, o contrato
social não implica submissão ao governo.
O Estado
Locke distingue o processo do contrato
social criador da comunidade, do subseqüente processo pelo qual a comunidade
confia o poder político a um governo, embora contratualmente relacionados entre
si, os integrantes do povo não estão contratualmente submetidos ao governo. O
mesmo homem que confia o poder é capaz de dizer quando se abusa do poder. A
renúncia ao poder pessoal somente pode ser para o melhor, e por isso o poder do
governo e legislatura constituída pelos homens no acordo social não pode ir
alem do requerido para as finalidades desejadas.
Mas ainda que os homens, ao entrar em sociedade, renunciam a
igualdade, a liberdade e ao poder executivo que tinham no Estado de Natureza,
pondo todo isto em mãos da sociedade mesma para que o poder legislativo
disponha, segundo o requeira, o bem da sociedade. Essa renúncia é feita por
cada um com a exclusiva intenção de preservar-se a si mesmo e preservar sua
liberdade e sua propriedade da melhor maneira, já que não pode supor-se que criatura
racional alguma mude sua situação com o desejo de ir a pior.
Por isso o poder da sociedade e a legislatura constituída
por ela não podem supor que vá mais além do que pede o bem comum, senão que
tenha de obrigar-se a assegurar a propriedade de cada um, protegendo a todos
contra aquelas três deficiências que mencionávamos mais acima e que faziam do
Estado de Natureza uma situação insegura e difícil. E assim, quem quer que
ostente o poder legislativo supremo num Estado está obrigado a governar segundo
o que ditem as leis estabelecidas, promulgadas e conhecidas do povo e não
mediante decisões imprevisíveis; há de resolver os pleitos por juizes neutros e
honestos, de acordo com as ditas leis; e está obrigado a empregar a força da
comunidade, exclusivamente, para que essas leis se executem dentro do país; e
se tratar-se de relações com o estrangeiro, deve impedir ou castigar as
injúrias que venham de fora, devem proteger a comunidade contra incursões e
invasões. E tudo isto não deve estar dirigido a outro fim que não seja o de
conseguir a paz, a segurança e o bem do povo.
O Absolutismo
Locke é radicalmente contra a
justificativa do absolutismo porque a doutrina da monarquia absolutista coloca
o soberano e os súditos em guerra entre si. Porém, considerava aceitável um
povo substituir seu soberano ou governo se ele faltasse com sua parte do
compromisso. Sempre que um governante confisca e destrói a propriedade do povo,
ou o reduz à escravidão, esse governante se coloca em estado de guerra com o
povo. A partir daí os súditos estão dispensados de qualquer obediência, e podem
recorrer ao recurso comum, que Deus deu a todo homem, contra a força e a
violência.
A opinião de Locke sobre a rebelião
do povo é contrária à de Hobbes para quem o pacto social era a fonte do poder
absoluto do monarca. Hobbes achava que a rebelião dos cidadãos contra as
autoridades constituídas, só se justifica quando os governantes renunciam a
usar plenamente o poder absoluto do Estado. Contra essa tese, Lockejustifica
o direito de resistência e insurreição não pelo desuso, mas pelo abuso do poder
por parte das autoridades. Quando um governante se torna tirano, coloca-se em
estado de guerra contra o povo.
Religião
Locke era religioso e considerou
tornar-se pastor, porém não era um puritano. Em seu pensamento religioso Locke foge
da linha tradicional tanto quanto seus pensamentos contidos no
"Ensaio". Não critica a Bíblia, porém, examina livremente as
escrituras com a mesma objetividade de sua filosofia. Com essa atitude chega a
conclusões bastante simples, que são um marco na história da teologia liberal,
basicamente em acordo com a fé cristã. Na sua concepção da natureza da
religião, ele a descreve como consistindo quase inteiramente em uma atitude de
fé intelectual. Em sua opinião, o povo necessita de assistência moral e não de
dogmas teológicos ou inspiração intelectual. O propósito do tratado
Resonableness of Christianity (1695) é o de lembrar aos homens das
controvérsias das escolas teológicas até a simplicidade dos evangelhos como regra
da vida humana.
Uma Igreja, de acordo com Locke, é uma
sociedade voluntária e livre com o propósito de adorar a Deus. O valor da
adoração depende da fé que a inspira. O estado não interfere exceto em relação
aos católicos e ateus, os primeiros porque professam obediência a um príncipe
estrangeiro e os segundos porque não se pode confiar neles em questões morais
como a obediência ao contrato social. "O negócio do Estado, diz ele, não é
garantir a verdade das opiniões mas a segurança da comunidade, e de modo muito
particular a pessoa e os bens do homem". A Epistola de Tolerantia (Carta a
respeito da tolerância) é um apelo à tolerância religiosa; foi publicada
anonimamente em 1689, porém era um tema que Locke vinha
trabalhando desde seus primeiros tempos em Oxford. Suacorrespondência e um
trabalho por ele escrito em 1667 mostram seu apoio pela tolerância religiosa,
apesar de ter escrito, em 1669, dois outros considerados surpreendentemente
conservadores.
A posição de Locke, em relação à religião
assim se resumia:
1. Nenhum homem tem tão completa sabedoria e conhecimento
que possa ditar a forma da religião de outro homem;
2. Cada indivíduo é um ser moral, responsável perante Deus,
e isto pressupõe sua liberdade; e
3. Nenhuma coerção que é contrária à vontade do indivíduo
pode assegurar mais que uma conformidade aparente.
Seu Common-Place Book (caderno de anotações) indica que a
questão já o preocupava mais de vinte anos antes da publicação da primeira
"Carta". Se os magistrados deviam ou não ter sob sua alçada as
questões religiosas era um assunto acidamente discutido, pela assembléia dos
Divinos (teólogos), ao tempo que era aluno em Westminster e quando entrou na
Christ Church, o reitor era John Owen, líder dos independentes.
De interesse religioso são também três da obras que vieram a
lume após sua morte: Comentários sobre as epístolas de São Paulo, e o Discourse
on Miracles, tanto quanto um fragmento de Fourth Letter for Toleration e An
Examination of Father Malebranche s Opinion of Seeing all things in God, e mais
Remarks on Some of Mr Norris s Books.
Educação
Seu ponto de vista era de que a educação devia ter fins
práticos, de preparar o homem para a vida, e não para o deleite intelectual e o
êxito universitário. Os livros Thoughts concerning Education ("Pensamentos
sobre a Educação") e Conduct of the Understanding ("Condução do
Conhecimento") tem lugar importante na história da filosofia educacional.
Neles Locke enfatizou o valor da experiência no
desenvolvimento da mente, porém desconsidera radicalmente as diferenças
genéticas.
Guilherme SM - John Locke - in. Link Origins, Internet, disponível em http://linkorigins.blogspot.com.br, revisto em 2014
Estas página são, predominantemente, resumos do artigo John
Locke, in. Filosofia Moderna - Rubem Queiroz Cobra
COBRA.PAGES.nom.br, Internet, Brasília, 1997. Disponível na
internet em Filosofia Moderna
0 comentários:
Postar um comentário
! Antes de imprimir pense em seu compromisso com o meio ambiente.