Barão Gottfried Wilhelm Leibniz,
ou apenas Leibnitz, como é mais conhecido, nasceu em
Leipzig, na Alemanha, em 1 de julho de 1646. Seu pai, Friedrich Leibniz era
professor de ética em Leipzig e morreu em 1652. Leibniz aprendeu
sozinho latim e grego para ler grandes autores na bibliotece de seu pai. Em 1661
a 1666 cursou a Universidade de Leipzig como estudante de direito, quando
então, teve contacto com textos de filósofos modernos da época, tais como Bacon
(1561-1626), Hobbes (1588-1679), Galileu (1564-1642) e Descartes (1596-1650).
Em sua tese de bacharelado "Sobre o Princípio do
Individual", de 1663, Leibniz enfatiza que o valor
existencial do indivíduo não deve ser explicado somente pela "
matéria" ou pela "forma" mas, antes, por seu
ser total. Em 1666 escreveu De Arte Combinatoria no qual formulou um modelo que
é o precursor teórico de computação moderna: todo raciocínio, toda descoberta,
verbal ou não, é redutível a uma combinação ordenada de elementos tais como
números, palavras, sons ou cores.
Formando-se em leis em 1666, Leibniz candidatou-se
ao doutorado e, sendo recusado devido a sua pouca idade, deixou Leipzig para
sempre. Fez estudos de matemática em Jena. Na cidade livre de
Nürnberg recebeu o título de doutor com a tese "Sobre Casos
Intrigantes" e foi convidado a lecionar na universidade. Lá conheceu em
1667 Johann Christian, o Barão de Boyneburg, ilustre estadista alemão que o
empregou e o introduziu na corte do príncipe e arcebispo de Moguncia, Johann
Philipp von Schönborn, para assuntos de direito e política.
Em 1667 Leibniz dedicou ao príncipe
um trabalho no qual mostrava a necessidade de uma filosofia e uma aritmética do
direito e uma tabela de correspondência jurídica. Tratava-se de um sistema
lógico de catalogação, o qual pode muito bem ser comparado aos atuais
princípios da informática. Por causa desse trabalho foi incumbido de fazer a
revisão do "corpus juris latini", a então consolidação do direito
romano vigente.
Na área religiosa Leibniz se
esforçou para a união das religiões protestante e católica.Leibniz trabalhou
no Demonstrationes Catholicae, cujas especulações levam-no a situar a alma num
determinado ponto e a desenvolver o princípio da razão suficiente, segundo o
qual nada acontece sem uma razão. Suas conclusões aparecem em 1671 num trabalho
com o título Hypothesis Physica Nova. Conclui que o movimento depende, como na
teoria do astrônomo alemão Johannes Kepler, da ação de um espírito (no caso,
Deus).
Em 1672 Leibniz vai a Paris em uma
obscura missão diplomática: convencer Luiz XIV
a conquistar o Egito, aniquilar a Turquia para evitar novas
invasões bárbaras da Europa, via Grécia. Era uma estratégia para desviar o
poderio militar da França de uma ameaça à Alemanha.
Em Paris, conhece Antoine Arnauld (1612-1694), teólogo líder
dos jansenistas. Estes, eram seguidores de uma doutrina que negava a liberdade
de vontade e negava que Cristo houvesse morrido por todos os homens,
considerados hereges pela Igreja Católica.
Com Arnauld, Leibniz discute sobre a
possibilidade da união das igrejas, filosofia e matemática. Arnauld era
conhecido pelos seus ataques aos jesuítas e foi demitido da Sorbone por heresia
em 1656. Mais tarde, em 1682, iria refugiar-se em Bruxelas, Bélgica, onde
escreveria suas idéias. Por essa ocasião Leibniz perde
sucessivamente os seus protetores. Morreu o Barão de Boyneburg em fins de 1672
e o príncipe eleitor de Mainz no início de 1673. Buscando meios de manter-se,
construiu uma máquina de calcular, um aperfeiçoamento de uma máquina
desenvolvida anteriormente por Blaise Pascal, matemático e cientista francês e
escritor, e indo à Inglaterra, apresentou-a à Royal Society em 1673. Em
Londres Leibniz procurou os matemáticos e cientistas,
inclusive Robert Boyle, e entre eles, John Collins, um amigo do físico Sir
Isaac Newton, a quem voltaria a encontrar mais tarde.
A permanência de Leibniz em Paris se
prolonga até 1676, onde pratica advocacia e trata com vários intelectuais, além
de Arnauld, como Malebranche e Huygens. Christian Huygens (1629-1695),
matemático, astrônomo e físico holandês ajudou-o nos cálculos matemáticos.
Residindo em Paris, Huygens criou a teoria ondulatória da luz, introduziu o uso
do pêndulo nos relógios, descobriu a forma dos aneis de Saturno. Eleito membro
fundador da Academia de Ciências da França em 1666, morou lá até 1681,
retornando então para a Holanda. Arnauld o apresenta a muitos jansenistas
importantes em 1674, entre eles, a Étiene Périer, sobrinho de Pascal que
confiou a Leibniz trabalhos não publicados de Pascal.
Em 1675 entretém com Nicolas Malebranche, outro geômetra e
filósofo cartesiano, discussões enquanto trabalha no desenvolvimento dos
cálculos integral e diferencial, cujos fundamentos lança naquele mesmo ano
1675. Ainda sem renda garantida para sua sobrevivência, Leibniz é
obrigado, em 1676, a aceitar um emprego na Alemanha. Deixa Paris
contra sua vontade, viajando primeiro para a Inglaterra e a Holanda.
Em Londres esteve novamente com John Collins, que lhe
permitiu ver alguns trabalhos não publicados de outros matemáticos,
principalmente de Newton. Na Holanda, em Haia, teve demoradas conversas com o
filósofo racionalista judeu Baruch de Espinoza, com quem discute problemas
metafísicos.
Espinoza (1632-1677) fora excomungado pelas autoridades
judaicas pela sua explicação não tradicional da bíblia em 1656 e um ano depois
do encontro com Leibniz, Espinoza se recolhe ao campo para
escrever sua "Ética" (1677) e outros livros, inclusive o"Tratado
Teológico-político" (1670) advogando liberdade de filosofia em nome da
piedade e da paz pública.
Retornando à Alemanha, em fins de 1676, Leibniz trabalha
para João Frederico, Duque de Hanôver, um luterano convertido ao catolicismo.
Veio a ser, a partir de 1678, conselheiro do Duque e se propôs inúmeras
realizações de interesse para o Ducado. Continua a manter debates sobre a união
das religiões protestante e católica, primeiro com o Bispo Cristóbal Rojas de
Espínola e, através de correspondência, com Jacques Benigne Bossuet, bispo
católico francês. Conhece também Nicolaus Steno, um prelado que era um cientista
especializado em geologia.
Nessa época Leibniz se ocupa de
várias tarefas, entre elas, da inspeção dos conventos e melhoria da educação
com fundação de academias, e desenvolve inúmeras pesquisas sobre prensas
hidráulicas, moinhos, lâmpadas, submarinos, relógios, idealiza um modo de
melhorar as carruagens e faz experiências com o elemento fósforo recém
descoberto pelo alquimista alemão Henning Brand.
Desenvolveu também uma bomba d água para melhorar a
exploração das minas próximas, nas quais freqüentemente trabalhou como
engenheiro entre 1680 e 1685.Leibniz é considerado um dos
criadores da geologia, devido a riqueza de suas observações, inclusive devido à
hipótese de ter sido a terra primeiro líquida, idéia que apresenta no seu
Protogeae, que somente foi publicado após sua morte, em 1749.
Tantas ocupações não interromperam seu trabalho em
matemática. Em 1679 aperfeiçoou o sistema de numeração binário, base da
moderna computação e, ao fim do mesmo ano, propôs as bases do que é hoje a
topologia geral, parte da alta matemática.
A essa altura, início de 1680, falece o Duque João
Frederico, que é sucedido pelo irmão Ernesto Augusto. A situação política agora
é mais complicada para a Alemanha. A França, com Luís XIV torna-se uma ameaça.
Aumentam as perseguições aos protestantes, culminando com a revogação do Édito
de Nantes em 1685, um perigo para os principados alemães protestantes da
fronteira. Em 1681 Luís XIV avançou anexando à França algumas cidades da
Alsacia. O Império Germânico era ameaçado também em seu flanco oriental por uma
revolta na Hungria e pelo avanço dos turcos que chegaram a assediar Viena em
1683.
Leibniz continua seu esforço nas frentes
mais variadas, tanto pelo Ducado quanto pelo Império. Sugeriu meios de aumentar
a produção de tecidos, propôs um processo de dessalinização da água, recomendou
a classificação dos arquivos e, em 1682, sugeriu a publicação de um periódico,
Acta Eruditorum.
Na área política escreveu, em 1683, um violento panfleto
contra Luís XIV, intitulado O Mais Cristão Deus da Guerra, em francês e latim.
Aí Leibniz expôs seus pensamentos a respeito da guerra
com a Hungria.
Nessa mesma época continuou a aperfeiçoar seu sistema
metafísico buscando uma noção de causa universal de todo ser, tentando chegar a
um ponto de partida que reduzisse o raciocínio a uma álgebra do pensamento.
Continuou também a desenvolver seus conhecimentos matemáticos e física. Em 1684
publicou Nova Methodus pro Maximis et Minimis, uma exposição do seu cálculo
diferencial.
Desde 1665 Newton também havia descoberto o cálculo, mas
apenas comunicara seus achados aos amigos e não os publicou. Entre esses amigos
John Collins. Quando se soube que Leibniz havia estado
com Collins na Inglaterra e visto alguns escritos de Newton, abriu-se a questão
de prioridade da invenção do cálculo, que se tornou uma das mais famosas
disputas do século XVIII.
Seu "Meditações sobre o conhecimento, a verdade e as
idéias" apareceu nessa época definindo sua teoria do conhecimento. Em 1686
escreveu o "Discours de métaphysique" seguido de "Breve
demonstração do memorável erro de Descartes e outros, sobre a Lei da
Natureza". Pode se dizer que por volta de 1686 sua filosofia da
monadologia estava definida, porem a palavra "mônada" seria inserida
mais tarde, em 1695.
Em 1687 correspondeu-se com Pierre Bayle, o filósofo francês
e enciclopedista que editava o influente jornal Notícias da República das
Letras, afirmando em suas cartas sua independência dos cartesianos. Essa
correspondência antecipou os Essais de théodicée sur la bonté de Dieu, la
liberté de l homme et l origine du mal, único de seus livros mais importantes a
ser publicado em sua vida, em 1710.
Em 1685 Leibniz foi nomeado
historiador da Casa de Brunswick e conselheiro da corte. Seu trabalho seria
provar, por meio da genealogia, que a casa nobre de Brunswick tinha suas
origens na casa de Este, uma casa de príncipes italianos, o que permitiria
Hanôver pretender um nono eleitorado. Em 1687 Leibniz começou
a viajar em busca de documentos.
Seguiu pelo sul da Alemanha até a Áustria, ao tempo que Luís
XIV mais uma vez declarava guerra ao Império. Foi bem recebido pelo Imperador e
de lá seguiu para a Itália. Por onde ia encontrava-se com cientista e
continuava seu trabalho intelectual. Publicou em 1689 seu ensaio sobre o
movimento dos corpos celestes. Este ano leu o Principia Matematica de Newton.
Retornou a Hanôver em 1690. Seus esforços não foramem vão. Em 1692 Ernesto
Augusto obteve a investidura como Eleitor dos Imperadores do Sacro Império
Germânico.
Dono de enorme energia intelectual, Leibniz continua
estudos dos mais diversos, agora sobre a história da Terra, compreendendo os
eventos geológicos e a descrição de fósseis. Procurou, por meio de monumentos e
de vestígios linguísticos, a origem das migrações dos povos, origem e progresso
da ciência, ética e política e, finalmente, por elementos da história sacra. Em
seu projeto de uma história universal Leibniz nunca
perdeu de vista o fato de que tudo se interliga. Apesar de não conseguir
escrever essa história, seus esforços foram influentes porque ele divisou novas
combinações de velhas idéias e inventou outras totalmente novas.
Em 1695 ele expôs uma parte de sua teoria dinâmica do
movimento no Système Nouveau, onde tratava do relacionamento de substancias e
da harmonia pre-estabelecida entre a alma e o corpo. Deus não necessita de
intervir na ação do homem por meio de seu pensamento, como Malebranche
postulava, ou dar corda num tipo de relógio de modo a conciliar os dois; em
lugar disso, o Supremo Relojoeiro fez que correspondessem exatamente corpo e
alma, eles dão sentido um a outro desde o começo.
Em 1697, em "Sobre a origem das coisas", Leibniz tentou
provar que a origem última das coisas não pode ser outra senão Deus. No início
de 1698 morreu o príncipe eleitor Ernesto Augusto, sucedendo-o seu filho George
Luís. Incompatibilizado com o novo príncipe, mal educado e desagradável, Leibniz valia-se
da amizade de Sofia, viúva, e de Sofia Carlota, filha do falecido príncipe. Com
a ajuda da jovem princesa Carlota, a qual logo seria a primeira rainha da
Prússia, promoveu a criação da Academia de Ciências de Berlim (Capital da
Prússia, que era o norte da Alemanha e parte do norte da atual Polônia) em
1700.
Mais uma vez pôs-se a trabalhar arduamente pela união das
igrejas: em Berlim tratava-se de unir luteranos e calvinistas; em Paris havia a
oposição de Bossuet; em Viena, para onde retorna em 1700, consegue o apoio do
Imperador, e na Inglaterra são os anglicanos que precisam ser convencidos.
Esta atividade deu oportunidade para comunicar-se com
intelectuais ingleses, como o deísta John Toland, que vem acompanhando o
embaixador da Inglaterra enviado a Hanôver em 1702, com o bispo de Salisbury,
chefe da Igreja Anglicana, e Lady Darnaris Masham em cuja casa John Locke viria
a falecer em 1704.
Leibniz estava impressionado com as
qualidades do Czar russo, Pedro o Grande e, em 1711, foi recebido a primeira
vez pelo Czar. Em outono de 1714 o Imperador nomeou-o conselheiro do império e
lhe deu o título de Barão. Ainda nessa época escreveu Principes de la nature e
de la Grace fondés en raison, cujo objeto é a harmonia
pre-estabelecida entre essas duas ordens. Mais tarde, em 1714, escreveu
Monadologia que sintetiza a filosofia da "Teodicéia".
Em meados de 1714, a morte da rainha Ana levou
George Luís ao trono da Inglaterra com o nome de George I. Retornando a
Hanôver, onde ele estava virtualmente em prisão domiciliar, Leibniz pôs-se
novamente a trabalhar no Annales Imperii Occidentis Brunsvicenses (Anais
braunsvicenses do Império Ocidental), ocupando-se também de extensa
correspondência com Samuel Clarke.
Em Bad-Pyrmont ele encontrou Pedro o Grande pela última vez
em 1716. A partir de então ele sofria muito de gota e ficou confinado
ao leito. Leibniz falece em Hanôver em 14 de novembro
de 1716, relativamente esquecido e isolado dos assuntos públicos. Um projeto
seu que não teve sucesso foi o de união das igrejas cristãs, de unir novamente
as duas profissões de fé.
Pensamento
Quase todas as obras de Leibniz estão
escritas em francês ou latim e poucas em alemão, língua que não era muito
destinada à obras de filosofia. Eram ortodoxos e otimistas, proclamando que o
plano divino fez este o melhor de todos os mundos possíveis, um ponto de vista
satirizado por Voltaire (1694-1778) no Candide.
Leibniz é conhecido entre os filósofos
pela amplitude de seu pensamento sobre ideias e princípios fundamentais da
filosofia, incluindo a verdade, os mundos possíveis, o princípio de razão
suficiente (isto é, que nada ocorre sem uma razão), o princípio da harmonia
pré-estabelecida (Deus construiu o universo de tal modo que os fatos mentais e
físicos ocorrem simultaneamente), e o princípio de não contradição (que uma
proposição da qual se pode derivar uma contradição é falsa).
Teve por toda a vida interesse, e perseguiu a idéia, de que
os princípios da razão pudessem ser reduzidos a um sistema simbólico formal,
uma álgebra ou cálculo do pensamento, no qual controvérsias seriam acertadas
por meio de cálculos.
Foi tanto um filósofo quanto um matemático de gênio. Na
matemática criou, com Isaac Newton (1643-1727) físico matemático inglês, o
cálculo infinitesimal ou de limites de funções, uma fe rramenta para o cálculo
diferencial que é o cálculo de derivadas de funções. No seu aspecto geométrico,
o cálculo infinitesimal, integral e diferencial, toma o ponto simplesmente como
uma circunferência de raio infinitamente pequeno, a curva como um pedaço de
circunferência de raio finito, constante, e a reta um pedaço de circunferência
de raio infinitamente longo.
Teoria do conhecimento
Princípios
De acordo com Leibniz, a razão afirma que
uma coisa só pode existir necessariamente se, além de não ser contraditória,
houver uma causa, causa de origem e causa final, que a faça existir. Tira daí
dois princípios inatos.
Para explicar a Verdade da Razão e a Verdade de Fato, Leibniz recorre
à dois princípios, um falando das coisas a priori e outro das coisas a
posteriori, ou seja, uma não dependente da experiência e dos sentidos mas
dependente da razão e outro dependente dos sentidos e da experiência (tal como
afirmava Kant).
Princípio da não Contradição
O primeiro princípio inato é o Princípio da não Contradição
do que é explicado ou demonstrado. Ao primeiro princípio correspondem as
verdades de razão. São necessárias, têm a razão em si mesmas. O predicado está
implícito na essência do sujeito. As verdades de razão são evidentes a priori,
independentes da experiência, prévias à experiência. As verdades de razão são
necessárias, fundam-se no princípio da contradição, como na proposição
"dois mais dois são quatro": Não poderiam não ser. Não cabe
contradição possível.
Princípio da Razão Suficiente
O segundo princípio é o Princípio da Razão Suficiente da
existência da coisa em questão. Para que uma coisa seja, é necessário
que se dê uma razão porque seja assim e não de outro modo. Ao segundo princípio
correspondem as verdades de fato. Estas não se justificam a priori, mas sim
pelo princípio da razão suficiente. As verdades de fato são contingentes. A sua
razão resulta de uma infinidade de atos passados e presentes que constituem a
razão suficiente pela qual ele se dá agora. São atestadas pela experiência. São
as verdades científicas; são de um jeito, mas poderiam ser de outro. A água
ferve a 100 graus centígrados, mas poderia não ferver e, de fato não ferve,
quando é mudada a pressão no seu recipiente. Essas verdades dependem de
experiência que as comprove.
Em Deus desapareceria a distinção entre verdades de fato e
verdades de razão, porque Deus conhece atualmente toda a série infinita de
razões suficientes que fizeram que cada coisa seja aquilo que é. Além dos
princípios da não-contradição, da razão suficiente, encontra também os
princípios do melhor, da continuidade e dos indiscerníveis, considerados por
ele constitutivos da própria razão humana e, portanto, inatos, embora apenas
virtualmente.
Nos "Novos Ensaios Sobre o Entendimento Humano" Leibniz rejeita
a teoria empirista de Locke (1632-1704), segundo a qual a origem das idéias
encontra-se exclusivamente na experiência e que a alma seria uma tabula rasa.
Para Leibniz, a vontade do Criador submete-se ao seu
entendimento; Deus não pode romper Sua própria lógica e agir sem razões, pois
estas constituem Sua natureza imutável. Conseqüentemente o mundo criado por
Deus estaria impregnado de racionalidade, cumprindo objetivos propostos pela
mente divina. Deus calcula vários mundos possíveis e faz existir o melhor
desses mundos. Entre tantos mundos possíveis (existentes em Deus como
possibilidades), Deus dá existência a um só e a escolha obedece ao critério do
melhor, que é a razão suficiente do existir do nosso mundo.
Princípio de Continuidade
De acordo com o princípio de continuidade, não existem
descontinuidades na hierarquia dos seres (As plantas são animais imperfeitos e
também não há vazios no espaço). Quanto ao princípio dos indiscerníveis, Leibniz afirma
que não há no universo dois seres idênticos e que sua diferença não é numérica
nem espacial ou temporal, mas intrínseca, isto é, cada ser é em si diferente de
qualquer outro.
Origem das idéias
Leibniz, diante da necessidade de conciliar
algumas evidências favoráveis e contrárias à existência de idéias inatas, supôz
existir no espírito alguma estrutura coordenadora do raciocínio. Ao invés das
idéias inatas em si, ele admitiu serem inatas certas estruturas geradoras de idéias.
No prefácio aos "Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano", diz:
"Por isso emprego de preferência a comparação com um
bloco de mármore que tem veios... se há veios na pedra que desenham a figura de
Hércules em lugar de qualquer outra, este bloco lhe estaria já disposto, e
Hércules lhe seria de algum modo como inato, ainda que fosse sempre necessário
certo trabalho para descobrir estes veios e destaca-los pelo polimento,
eliminando o que impede sua aparição. Do mesmo modo as idéias e a verdade nos são
inatas como inclinações, disposições, capacidades e faculdades naturais, e não
como ações ou funções, se bem que estas faculdades vão sempre acompanhadas de
algumas ações correspondentes imperceptíveis".
A mônada encerra em si toda a realidade e nada lhe pode vir
de fora. Portanto, tudo o que aconteça, está incluído na sua essência e, por
conseguinte, na sua noção completa.Leibniz contraria a
posição empirista de que não há nada no entendimento que não tenha passado
antes pelos sentidos, excetuando o próprio entendimento. Todas as ideias
procedem da princípio de continuidade. Nada é recebido de fora. Este é um
postulado diametralmente oposto ao empirismo de Locke, que reconhece as idéias
resultantes da experiência.
As ideias são, pois, inatas num certo sentido. Não estão em
estado de atualidade que pudessem ser percebidas. Estão em nós em estado de
virtualidades, ou potencial, e é através da reflexão que a alma adquire
consciência. Esta é uma certa aproximação com Platão. Nossa alma (que é uma
mônada) é preformada, isto é, contem virtualmente as verdades necessárias que
descobre e torna distintas pela reflexão.
Lógica
A lógica tradicional, demonstrativa, não satisfaz Leibniz.
Crê que só serve para demonstrar verdades já conhecidas e não para encontra-las.
Quis fazer uma lógica que servisse para descobrir verdades, uma combinatória
universal que estudasse as possíveis combinações dos conceitos. Esgrimando com
objetos ideais, seria possível chegar a todas as verdades. Poder-se-ia operar
de uma forma apriorística e segura, de uma maneira matemática, para a
investigação da verdade.
Esta é a famosa Ars magna combinatoria, que seduziu
filósofos desde Raimundo Lúlio (1235-1316). Ela se apoia, evidentemente, na
crença de que os fatos acompanhariam a linguagem em lugar da linguagem
acompanhar os fatos, ordenando os conceitos e apontado possibilidades apenas
enquanto associa referências da experiência passada, como em Locke.
Monadologia
Em 1676 Leibniz tornou-se o fundador
de uma nova formulação teórica conhecida como dinâmica, que substituia a
energia cinética pela conservação do movimento. Leibnizexplica
os seres como forças vivas, não como máquinas. Em crítica a Descartes,
reelabora o pensamento cartesiano. A redução cartesiana da matéria à extensão
não explica a resistência que a matéria oferece ao movimento. Esta resistência
é uma "força".
A chamada matéria, na sua essência, é força. E Descartes não
se ocupa da força, mas apenas do movimento, da mera mudança de posição de um
móvel em relação às coordenadas. Leibniz muda essa
física estática e geométrica. O movimento é produzido por uma força viva. A
ideia de uma natureza estática e inerte é substituída por uma idéia dinâmica;
em contraste com uma física da extensão, faz um retorno ao pensamento grego de
que a natureza é princípio de movimento.
Para acomodar a força na natureza Leibniz necessita
uma nova idéia de substância. A partir da noção de matéria como essencialmente
atividade, Leibniz chega à idéia de que o universo é
composto por unidades de força, as mônadas, noção fundamental de sua
metafísica. Mônada quer dizer substância real, palavra usada por Giordano
Bruno, segundo dizem, a teria tirado de Plotino.
A mônada não tem extensão, não é divisível, não é material.
Mônada é força, é energia, vigor. Não força física mas capacidade de atuar, de
agir. O universo não é senão um conjunto de substâncias simples, ativas,
construídas pelas mônadas. São unidades sem partes, que formam os compostos;
são os elementos das coisas.
Leibniz faz o contrário de Espinoza:
enquanto este reduz a substancialidade a um ente único, natureza ou Deus, Leibniz restitui
à substancia o caráter de coisa individual que teve desde Aristóteles. A
substância, dizia Aristóteles, é o que é próprio de cada coisa. A substância ou
natureza torna a ser o princípio do movimento nas próprias coisas.
As mônadas são rigorosamente indivisíveis e, portanto,
inextensas, porque a extensão é sempre divisível. Estas mônadas simples não
podem corromper-se, nem perecer por dissolução, nem começar por composição. Têm
qualidades, são distintas e incomunicáveis entre si e também mudam de modo
contínuo segundo suas possibilidades internas. São unidades de força. A partir
de seu lugar, cada mônada representa ou reflete o universo inteiro, ativamente.
As mônadas não são todas de igual hierarquia; refletem o universo com distintos
graus de claridade.
Tudo o que acontece à mônada brota do seu próprio ser, das
suas possibilidades internas, sem intervenção exterior. As mônadas têm
percepções e apercepções; as primeiras são obscuras ou confusas, as segundas
claras e distintas. As mônadas das coisas têm percepções insensíveis, sem
consciência, o que também acontece ao homem, em diferentes graus. Uma simples
sensação é uma ideia confusa. Quando as percepções têm clareza e consciência, e
são acompanhadas de memória, são apercepções, e estas são próprias de almas. No
cume da hierarquia das mônadas está Deus, que é acto puro.
As coisas do mundo são indiscerníveis quando são iguais
(princípio de Leibniz chamados "os
indicerníveis") e uma mônada é totalmente diferente de outra. Quantidade
paraLeibniz é movimento e multiplicidade, portanto, como
força não é mais passividade, mas atividade. O universo não é senão um conjunto
de mônadas. A quantidade das mônadas é infinita, mas cada mônada é diferente
uma de outra. À matéria prima, de todo passiva, dotada apenas de extensão (como
queria Descartes), contrapõe a matéria segunda, dotada de ação. A matéria prima
(concebida em abstrato pois não existe sem a matéria segunda) é a matéria em si
mesma, de todo passiva, sem nenhum princípio de movimento. A matéria segunda ou
vestida é aquela que tem em si um princípio de movimento.
Porém cada mônada resulta de uma matéria prima ou princípio
passivo e de um elemento ativo ou força. A mônada criada não pode jamais
libertar-se da passividade pois, ao contrário, seria ato puro como Deus. O
espírito é mônada. Nossa experiência interior, que nos revela a nós mesmos como
uma substância ao mesmo tempo una e indivisível, indica nossa consciência como
uma mônada. Conhecemos, imaginamos a fôrça da mônada captando a nós mesmos como
força, como energia, como trânsito e movimento interno psicológico de uma
idéia, de uma percepção a outra percepção, de uma vivência a outra vivência.
Apesar de indivisível, individual e simples, há mudanças
interiores, há atividades no interior na mônada. Estas atividades são a
percepção e a apetição. Leibniz define a percepção como
a representação do múltiplo no simples. Apetição é tendência, carência de
passar de uma a outra percepção: é uma lei espontânea. A realidade metafísica
da mônada (perceber e apetecer) corresponde ao Eu.
A absoluta perfeição da mônada criada é sempre um esforço e
não um ato. A atividade contínua da mônada é o esforço de exprimir-se a si
mesma, isto é, de adquirir sempre mais consciência do que virtualmente contem.
Perceber é ao mesmo tempo apetecer de perceber ainda mais.
Há uma diferença de consciência entre as mônadas (de
percepção). Existem as mônadas dos corpos brutos "que só têm percepções
inconscientes e apetições cegas", Os animais se constituem de mônadas
"sensitivas", dotados de apercepções e desejos, e o homem de mônadas
"racionais", com consciência e vontade. Categorias de percepções. Há
três distinções fundamentais entre as percepções: os viventes, os animais, os
homens.
As percepções das quais não se tem consciência são chamadas
por Leibniz percepções insensíveis. A cada momento nós
temos impressões das quais nós não nos conscientizamos... Existem muitos
indícios que comprovam que temos em cada momento uma infinidade de percepções,
mas sem apercepção e sem reflexão.
Todas as ações que à primeira vista parecem arbitrárias e
sem um motivo encontram a sua explicação precisamente nas percepções
insensíveis, que explicam também as diferenças de caráter e de temperamento. As
mônadas têm percepção, mas algumas dentre elas têm apercepção. As mônadas que
tem apercepção e memória constituem as almas.
O saber de perceber é a apercepção, que é também esforço de
ter sempre percepções mais distintas. Tal tendência vai ao infinito, pois a
mônada não realiza jamais a sua completa perfeição. Leibniz não
admite comunicação ou ligação entre as mônadas. Cada uma tem um plano interno
segundo o qual vai movimentar-se de modo que esteja no lugar rigorosamente
certo onde é esperado que esteja para constituir, com outras mônadas, os corpos
em repouso ou em movimento. É o que Leibniz chamou
"harmonia pre-estabelecida".
É fundamental no pensamento de Leibniz o
conceito de "harmonia pre-estabelecida". Deus põe, em cada mônada, a
lei da evolução interna de suas percepções em harmônica correspondência. Os
atos de cada mônada foram antecipadamente regulados de modo a estarem adequados
aos atos de todas as outras; isso constituiria a harmonia pré-estabelecida.
Deus cria as mônadas como se fossem relógios, organiza-os
com perfeição de maneira a marcarem sempre a mesma hora e dá-lhes corda a
partir do mesmo instante, deixando em seguida que seus mecanismos operem
sozinhos. Assim operam coordenadamente seu desenvolvimento corresponde, a cada
instante, exatamente ao de todas as outras. No ato da criação, fez com que as
modificações interna de cada mônada correspondessem exatamente às modificações
de cada uma das outras.
Há um reparo que alguns fazem a Leibniz nesse
particular. Segundo seu pensamento, Deus assegurou, desde sempre, a
correspondência das minhas ideias com a realidade das coisas, ao fazer
coincidir o desenvolvimento da minha mônada pensante com todo o universo. Porém
diz, no Discours de métaphysique, que temos na nossa alma as ideias de todas as
coisas "mercê da ação contínua de Deus sobre nós"... Então, aquela
correspondência não estava assegurada e mais, as mônadas não seriam
invioláveis. Se, de acordo com o próprio pensamento de Leibniz,
as mônadas "não têm janelas" e têm já em si todo seu desenvolvimento,
então há uma exceção necessária: em vez de se porem em comunicação umas com as
outras, abrem-se exclusivamente para Deus.
Teodiceia
Leibniz concebe um mundo rigorosamente
racional e como o melhor dos mundos possíveis. Então, como explicar a presença
do mal? O mal manifesta-se de três modos: metafísico, físico e moral.
O Mal Metafísico é a imperfeição inerente à própria essência
da criatura. Só Deus é perfeito. Falta alguma coisa ao homem para a perfeição,
e o mal é a ausência do bem, na concepção neoplatônica e agostiniana. O mundo,
como finito, é imperfeito para distinguir-se de Deus. O mal metafísico, sendo a
imperfeição, ele é inevitável na criatura. Ao produzir o mundo tal como ele é,
Deus escolheu o menor dos males, de tal forma que o mundo comporta o máximo de
bem e o mínimo de mal. A matemática divina responsável pela determinação do
máximo de existência, tão rigorosa quanto as dos máximos e mínimos matemáticos
ou as leis do equilíbrio, exerce-se na própria origem das coisas.
Um mal é, para Leibniz, a raiz do outro.
O mal metafísico é a raiz do Mal Moral. É por ser imperfeito que o homem se
deixa envolver pelo confuso. O Mal Físico é entendido porLeibniz como
consequência do mal moral, seja porque está vinculado à limitação original,
seja porque é punição do pecado (moral). Deus não olhou apenas a felicidade das
criaturas inteligentes mas a perfeição do conjunto.
Na moral, o bem significa o triunfo sobre o mal e para que
haja bem é necessário que haja mal. O mal que existe no mundo é o mínimo
necessário para que haja um máximo de bem. Deus não implica contradição,
portanto, Deus é possível como um ser perfeitíssimo, mas para um ser perfeitíssimo
sua tendência à existência se traduz imediatamente em ato. A prova de
que existe é a harmonia pre-estabelecida. Porque há acordo entre as mônadas é
necessário Deus como autor delas. Outra prova são as coisas contingentes: tudo
que existe deve ter uma razão suficiente da sua existência; nenhuma coisa
existente tem em si mesma tal razão; portanto existe Deus como razão suficiente
de todo o universo. Deus é a mônada perfeita, puro ato. A Teodiceia de Leibniz leva
como subtítulo Ensaios Sobre a Bondade de Deus, a Liberdade do Homem e a Origem
do Mal.
Liberdade
A questão da liberdade é o mais difícil de se compreender em Leibniz porque
as mônadas encerram em si tudo o que lhes há de acontecer e hão de fazer. Todas
as mônadas são espontâneas, porque nada externo pode exercer coação sobre elas,
nem obriga-las a coisa nenhuma. Como é possível a liberdade?
Segundo ele, Deus cria os homens e os cria livres. Deus
conhece os faturíveis, isto é, os frutos condicionados, as coisas que serão se
se puserem em certas condições. Deus conhece o que faria a vontade livre, sem
que esteja determinado que isto tenha de ser assim, nem se trate, portanto, de
predeterminação.
O Mal Metafísico nasce da impossibilidade do mundo ser tão
infinito quanto o seu criador. O Mal Moral é permitido por Deus simplesmente,
pois é condição para os outros bens maiores. O Mal Físico tem a sua
justificação para dar ocasião a valores mais altos. Por exemplo, a adversidade
dá ocasião a que exista a fortaleza de ânimo, o heroísmo, a abnegação; além
disso, Leibniz crê que a vida, em suma, não é má, e que
é maior o prazer que a dor.
Não se pode considerar isoladamente um fato. Não conhecemos
os planos totais de Deus, já que seria necessário vê-los na totalidade dos seus
desígnios. Como Deus é onipotente e bom, podemos assegurar que o mundo é o
melhor dos mundos possíveis; isto é, é aquele que contém o máximo de bem com um
mínimo de mal que é condição para o bem do conjunto.
Deus quer que os homens sejam livres e permite que possam
pecar, porque é melhor essa liberdade que a falta dela. O homem não sabe usar a
liberdade; esta é um bem. O pecado aparece, pois, como um mal possível que
condiciona um bem superior, a saber: a liberdade humana.
Guilherme SM
- JeanGottfried Wilhelm Leibniz - in. link Origins, Internet, disponível em http://linkorigins.blogspot.com.br, revisto em 2014
Estas páginas são, predominantemente, resumos do artigo Gottfried Wilhelm Leibniz,
in. Filosofia Moderna - Rubem Queiroz Cobra
COBRA.PAGES.nom.br, Internet, Brasília, 1997. Disponível na
internet em Filosofia Moderna
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