Crítico de do pensamento dualista cartesiano
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Spinoza nasceu em uma família judia a 24
de novembro de 1632, em Amsterdã, Holanda, no mesmo ano do nascimento de
Locke-1632-1704, e veio a falecer em Haia, em 1677. Seu nome hebreu era Baruch,
significando abençoado, e em suas obras publicadas em Latim, Benedictus. Viveu
dentro da chamada "Idade de Ouro" da história da Holanda, uma era de
grandeza econômica, política, e cultural, apoiada na expansão comercial,
durante a qual a pequena nação do Atlântico Norte ombreou com as mais poderosas
e influentes nações da Europa. A qualidade de vida tinha um padrão geral de bem
estar marcado pela simplicidade e uma proximidade de nível entre as classes e
respeito entre as pessoas que não existiam nos demais países europeus, e isto é
importante ressaltar para compreender que Spinoza, seguindo
sua própria filosofia, viveu simplesmente, o que na rica Holanda daquela época
não significava pobreza e muito menos indigência. Nessa época, além do próprio Spinoza,
o filósofo René Descartes viveu e escreveu suas obras na Holanda, por duas
décadas.
A Idade de Ouro produziu cientistas como o físico Christian
Huygens, o matemático Simon Stevin e os microscopistas Antonie van Leeuwenhoek
e Jan Swammerdam. Na literatura Joost van den Vondel e na pintura De Vermeer,
Ruysdael e principalmente Rembrandt van Rijn. E apesar de tanta grandeza, a
Idade de Ouro foi também um período de guerras. As províncias unidas dos países
baixos, atualmente Bélgica e Holanda, rebelaram-se contra o domínio espanhol e
seguiram-se anos de confronto com a Espanha, em que se destacaram como chefes
militares holandeses os príncipes de Orange.
FILOSOFIA de SPINOZA
Teoria do Conhecimento
A filosofia de Spinoza é considerada
uma evidente resposta ao dualismo da filosofia de Descartes (1596-1650) a qual,
na opinião dele, fazia o mundo impossível de ser entendido. Era impossível
explicar a relação entre Deus e o mundo, ou entre o espírito e o corpo, ou
apresentar fatos devidos a uma vontade livre.
Spinoza sustentava que existe um sentido
no qual as definições podem ser corretas ou incorretas. Uma definição
confiável, ele afirmava, deveria deixar clara a possibilidade ou a necessidade,
conforme possa ser o caso, da existência do objeto que foi definido. Portanto,
uma definição correta é sempre verdadeira e a partir dessa definição se podem
deduzir outras verdades; e por via de tais deduções é possível construir um
sistema metafísico isto é, uma apresentação do mundo como um todo perfeitamente
inteligível. Estava convencido de que cada aspecto da realidade é necessário e
que toda possibilidade logicamente coerente deve existir. Portanto é possível
demonstrar a metafísica dedutivamente, através de uma série de teoremas
derivados, etapa por etapa, de conseqüências necessárias a partir de premissas
auto-evidentes, expressas em termos que são auto-explicativos ou definidos com
uma correção inquestionável. Porém tal método garante conclusões verdadeiras
somente se os axiomas são verdadeiros e as definições corretas. Com este
pensamento, voltou-se para o método geométrico à maneira dos Elementos, de
Euclides. Sua obra prima, a Ética, foi escrita desse modo - Ordine Geometrico
Demonstrata.
A Família
A fanília de Spinoza, como o seu nome
indica, é originaria da cidade castelhana deSpinoza dos
Monteros, na região da cordilheira cantábrica, norte da Espanha. Deixou a
Espanha quando o célebre decreto da Alhambra do ano 1492, dos Reis Católicos
Fernando e Isabel, proibiu aos judeus a residência no país. Quem não queria o
desterro devia aceitar a fé católica. Portugal ofereceu asilo aos emigrados
judeus e uma grande parte destes, inclusive a família Spinoza,
se estabeleceu lá no mesmo ano de 1492. Mas em 1498, por desejar o monarca português,
Dom Manuel o Venturoso, a mão da princesa espanhola, os reis católicos
impuseram como condição que Portugal também expulsasse os judeus ou os fizesse
batizar. Em consequência a família Spinoza se converte
forçadamente ao catolicismo em 1498. O pai de Spinoza,
Miguel de Spinoza, nasceu cerca de um século depois, na
pequena cidade portuguesa de Vidigueira, na cercania de Beja.
A condição de cristãos novos no final do século XVI era
extremamente perigosa, devido à caprichosa investigação que fazia a Santa
Inquisição sobre a autenticidade de sua vida católica. Por esta razão, ou por
razão de negócios, a família Spinoza, quando Miguel deSpinoza ,
o pai do filósofo, era ainda criança, foi conduzida por seu chefe, Isaac deSpinoza,
avô do filósofo, de Vidigueira para o importante porto de Nantes, no estuário
do rio Loire, noroeste da França. Em Nantes, devido ao Édito de tolerância
religiosa de Henrique IV, promulgado em 1598, havia uma colônia marrana bem
aceita pelos habitantes predominantemente protestantes. Mas esta não durou
muito tempo, pois em 1615 todos os marranos foram expulsos.
De lá o velho Isaac de Spinoza se
trasladou a Roterdã, onde morre em 1627. Miguel deSpinoza e
seu tio Manuel foram para Amsterdã. Talvez porque não fosse prudente ser católico
em um país que era oficialmente calvinista e que estava em guerra contra a
católica Espanha, Miguel e o tio abraçam o judaísmo, este último assumindo o
nome de Abraão de Spinoza, embora continuasse sua atividade
comercial sob o nome cristão de Manuel Rodrigues.
Miguel de Spinoza se casou três
vezes. Sua primeira mulher, Raquel, morreu em 1627 deixando-lhe uma filha
chamada Rebeca. No ano seguinte, se casa com Ana Débora, mãe de Spinoza e
de mais três filhos, Miriam, Isaac, e Gabriel. Sabemos pouco da mãe de Spinoza,
senão que padecia de tuberculose e que morreu em 5 de novembro de 1638, quando
Baruch tinha seis anos de idade. Casou pela terceira vez com sua prima Ester deSpinoza,
de Lisboa, e esta é quem cuida da educação de seus filhos. Ester morreu em
1652, dois anos antes que seu esposo, que falece o 28 de março de 1654.
Miguel, que se tornou sócio do estabelecimento comercial de
seu sogro e tio Abraham e que o sucedeu na direção do negócio, - foi um dos
comerciantes judeus mais respeitados de Amsterdã. A família residia onde
atualmente é o bairro Waterlooplein, no qual viviam muitos judeus. Sua casa é
descrita, com base nos desenhos que ficaram, como uma casa muito espaçosa porém
sem luxo. Foi demolida ainda no século XVIII.
Estudos
A educação recebida por Baruch é a de um jovem judeu de
família de posses e isto incluía o estudo fundamental do hebreu e o
conhecimento minucioso da Bíblia Sagrada. Supõe-se que Spinoza estivesse
entre os primeiros a freqüentar a escola Árvore da Vida, criada em Amsterdã em
1637 para iniciar no judaísmo aos jovens da comunidade. Em 1638 essa Escola foi
confiada a Manasseh ben Israel , um rabino sefardin de cultura humanista, que
influiria muito sobre a formação de Spinoza.
O ensino que ministravam os rabinos estava dividido em sete
classes, que abarcavam desde os fundamentos do idioma até as culminâncias do
Talmud; de modo que as últimas classes só se ministravam aos maiores de treze
anos que desejassem tornar-se rabinos. Os que não tinham vocação religiosa,
como foi o caso de Baruch, podiam aperfeiçoar sua educação religiosa,
filosófica e mística na A Academia da Coroa da Lei (Kether Thora), criada em
1643 por outro rabino, Morteira, um radical ortodoxo Askenazi, cujo espírito
radical terminou por dominar tanto na escola talmúdica Árvore da Vida como na A
Academia da Coroa da Lei que Spinoza também freqüentou.
Os estudos superiores compreendiam a obra do filósofo
judeu-espanhol Jasdai Crescas e vários ensaios que ensejavam debates, entre
eles os Diálogos do Amor do filósofo renascentista judeu, León Hebreu. Este, do
platonismo renovado pelo Renascimento, faz a combinação do conceito de uma
razão universal com a teoria das idéias de Platão da qual extrai uma concepção
do mundo baseada no amor como força cósmica, e de ondeSpinoza desenvolverá
sua teoria da razão infinita e das essências.
É igualmente importante a cultura que Spinoza adquiriu
com o ex-padre jesuíta Francis van den Enden, estudioso da filosofia clássica,
poeta e dramaturgo, e que abriu uma escola para crianças em Amsterdã. Spinoza foi
professor em sua escola e com ele aprendeu ciências naturais (física, mecânica,
química, astronomia e fisiologia), latim, grego, e a filosofia de Descartes,
alem da filosofia neo-escolástica. Van den Enden fazia seus discípulos
representarem as comedias latinas. A ele, com certeza, Spinoza deve
seu conhecimento profundo do latim, língua em que escreveu sua obra. Van den
Enden tinha uma filha, Clara Maria, nascida em 1644 a qual, ainda
menina, falava tão bem o latim que, com freqüência, substituía ao pai em suas
aulas. Parece que Spinoza a apreciava muito pela sua
inteligência e precoce erudição e, mais tarde, segundo seu biógrafo Colerus, se
enamorou dela e até quis desposá-la. Clara Maria porém se casou com um
condiscípulo de Spinoza, o médico Dirck Kerckrinck, de
Hamburgo, que, de acordo com o mesmo Colerus, havia conquistado seu favor com
um valioso presente e que se converteu ao catolicismo a seu pedido.
Como matemático Spinoza realizou
observações e cálculos sobre o arco-íris, e ocupou-se do cálculo de
probabilidades, recém descoberto por Johan de Witt e outros. A caminho da
maturidade seu interesse intelectual conduziu-o a uma cultura científica e
médica que em todos os terrenos o coloca à altura de seu tempo. Como parte dos
estudos de física, tal como todos os sábios de então, inclusive Leibniz e
Christian Huyghens, polia ele mesmo suas lentes. Sabe-se que suas lentes eram
de grande perfeição, seja pela precisão de seu cálculo matemático, seja por sua
habilidade manual, e é provável que tenha aceito pedidos de amigos para
prepará-las.
No ano de 1650 falece Guilherme II, Conde de Nassau e
Príncipe de Orange, chefe dos Estados Gerais e também Descartes que, tendo
deixado a Holanda para viver na corte da Rainha Cristina, falece aquele ano na
Suécia. Em 1654 faleceu Miguel de Spinoza.
Ceticismo de Spinoza
O jovem Spinoza aos vinte anos de
idade começa a levantar suspeitas quanto ao que ensinava e discutia de
religião. Seu ceticismo manifesto não é estranho aos jovens das famílias de
cristãos novos reconvertidos ao judaísmo. Nem é difícil entender a origem desse
ceticismo no próprio espírito marrano. Entre os que foram para Amsterdã, muitos
desejavam voltar a ser livremente judeus, porém outros vacilaram em aceitar a
fé judaica, continuando católicos. Outros ainda, desejam voltar ao judaísmo,
mas não encontram lá a mesma tradição judaica de Portugal e Espanha, a grande
tradição do judaísmo sefardim, representada por Maimónides.
Um exemplo é o caso de Uriel da Costa, membro de uma família
de cristãos-novos rigorosamente católicos, e que chega em Amsterdã, por volta
de 1612. Havia recebido já os hábitos sacerdotais quando se converte ao
judaísmo de seus ancestrais. Porém o judaísmo ashkenasi holandês, sistemático e
fanaticamente ortodoxo, não o satisfaz, e vive um drama que o leva ao suicídio.
Em geral a comunidade portuguesa de Amsterdã, unida pelo idioma e a
procedência, se considera a si mesma como uma nação; está constituída por um
mundo de altos comerciantes para quem a religião não é um problema fundamental.
Si aderem ao judaísmo é porque em um Estado fundado pelos calvinistas
se sentem mais seguros assim que sendo católicos, e não têm necessidade de se
fazerem calvinistas.
O estudo da Bíblia levou Spinoza às
obras dos comentadores judeus e entre estes aprendeu a estimar, em primeiro
lugar, a Abraham ibn Ezra quem deve ter-lhe despertado as primeiras dúvidas
sobre a unidade do Pentateuco, o que pode tê-lo movido ao exame crítico das
Escrituras. Também Gersonides, ao assinalar as discrepâncias da cronologia
bíblica. Em Maimónides, que reúne, como escolástico judeu, a Bíblia e a
concepção aristotélica do mundo, encontra talvez Spinoza sua
maior inspiração humanista e anti-ortodoxa. No grupo de autores judeus que Spinoza chegou
a estudar na comunidade de Amsterdã, pertence também Abraham Herrera, que em
seu Porta do Céu une em forma original a mística do neoplatonismo com as
especulações da Cabala.
Outra grande influência sobre Spinoza é
a do médico Juan (Daniel) de Prado, que com ele será expulso da comunidade;
este exerce sobre Spinoza uma influencia maior e mais
imediata. Aceita um naturalismo puro enquanto nega a verdade da Escritura e do
Deus nela revelado, para substitui-lo por um Deus-Natureza que se manifesta nas
leis naturais. Para o ceticismo de Spinoza contribuíram
igualmente as disputas dentro da própria comunidade judaica de Amsterdã,
dividida na oposição pessoal dos dois rabinos principais, os citados Menassé
ben Israel e Saúl Levi Morteira. O primeiro, sefardim nascido em Lisboa, é
humanista, e o segundo, Morteira, nascido em Veneza, é aschkenasi, um fanático
radical.
A oposição dos dois rabinos determina conflitos dramáticos.
Menassé ben Israel busca uma sínteses do judaísmo com o humanismo e goza de
mais alto conceito entre os intelectuais holandeses. Morteira, ao contrário,
quer um judaísmo voluntariamente segregado, a forma religiosa estreita dos
judeus orientais ou aschkenasis, dominada pela Cabala, a teologia emanatista
medieval, carregada de profundo sentido místico penetrado de superstições
pueris. Seu livro Providência de Deus com Israel (ou "Esperança de
Israel"), devido à orientação fanática anticristã, não teve permissão para
publicação mas cópias circularam na comunidade e, graças a ele, Morteira
triunfa sobre seu adversário: o espírito do judaísmo aschkenasi domina na
comunidade judaica de Amsterdã, uma fórmula religiosa do século XV em desacordo
com o espírito científico do século XVII. Os judeus que, portadores da tradição
humanista portuguesa, eram socialmente integrados e viviam em palácios,
viram-se constrangidos por uma religião de gueto, potencialmente criadora de
profundos conflitos.
O que a todos comentaristas de Spinoza parece,
é que, em um mundo de tantas tendências variadas e algo contraditórias, ele
teve que buscar uma solução própria. Não seguiu a Morteira como toda a
comunidade, pela senda do judaísmo aschkenasi, nem tão-pouco aceitou a linha de
Menassé.
Expulsão da Comunidade Judaica
Spinoza logo incorreu na desaprovação das
autoridades da sinagoga por suas afirmações junto aos rabinos, como a de que
não havia nada na Bíblia afirmando que Deus não possuía um corpo físico, que os
anjos realmente existissem como espíritos sem corpo ou que a alma humana fosse
imortal fora do corpo. Porém, depois daquelas afirmações, o acusaram de ateísmo
ante a comunidade e foi instaurada a correspondente devassa.Spinoza foi
convidado a comparecer ante Morteira, e frente à ameaça de excomunhão, teve uma
atitude arrogante. Declarou que já havia desejado romper com a Sinagoga, mas
evitara faze-lo para não provocar um escândalo.
Frente à acusação, dirigiu aos rabinos um escrito em que
reafirma suas convicções. Deve ser desta ocasião, em 1655, a preparação
por Spinoza do seu Tractatus de Deo et homine et jusque
felicitate, em que se defende explicando seus pontos de vista. A congregação
não teve alternativa senão aplicar-lhe a excomunhão. O texto da excomunhão de Spinoza,
publicado o 27 de julho de 1656, diz ao final: "Ordenamos que ninguém
mantenha com ele comunicação oral ou escrita, que ninguém lhe preste nenhum
favor, que ninguém permaneça com ele sob o mesmo teto ou a menos de quatro
jardas, que ninguém leia nada escrito ou transcrito por ele". Até que
ponto havia chegado a rejeição a Spinoza pelos
fanáticos da comunidade mostra o atentado que o vitimou: uma noite, alguém
tentou apunhala-lo no caminho de sua casa, quando voltava da Sinagoga.
Conseguiu esquivar-se ao golpe do punhal que apenas rasgou sua casaca.
A vida de Spinoza fatalmente
sofreria uma mudança quando ele se afastou do judaísmo. Estava então,
juntamente com seu irmão Gabriel, à frente do negócio deixado por seu pai
quando este faleceu em 1654. Tratava-se de um comercio de importação e
exportação, uma tradição de negócio que vinha de Portugal, onde as transações
ultramarinas estavam quase inteiramente em mãos dos marranos portugueses. Essa
prática comercial envolvia vultosas operações bancárias e importantes contratos
de seguros entre os judeus. Porém o negócio de Miguel d Spinoza havia
decaído muito nos últimos anos de sua vida, correspondentes ao período em que a
guerra entre Inglaterra e Holanda havia prejudicado o comercio com o exterior.
Esta dificuldade e principalmente o peso de sua condenação levaram Spinoza a
renunciar à profissão mercantil.
Seus biógrafos acreditam que se dedicou à medicina, pois em
seus escritos mostra profundos conhecimentos médicos, e sua biblioteca contem
todas as obras de medicina teórica e prática necessárias ao médico em aquela
época. Até uma carta de Leibniz está dirigida ao "Médecin tres célebre et
philosophe tres profonde". Com estos estudos médicos estão relacionados
seguramente seus conhecimentos químicos. Quando aconselha De Vries no
planejamento de seus estudos de medicina, lhe recomenda que estudasse primeiro
anatomia e depois química. Seus estudos químicos são os que lhe permitem manter
com o grande químico Roberto Boyle uma correspondência científica, baseada em
experimentos próprios, acerca da natureza do salitre.
Além do negócio, seu pai deixou um legado que foi objeto de
contenda entre Spinoza e uma meia irmã. Os parentes
tentaram então excluir a Spinoza da herança,
pretextando, tal vez, sua apostasia, pois segundo a lei judaica é permitido
deserdar ao que ha desertado do judaísmo. Para defender seus interesses frente
aos credores de seu pai, se lhe designou um tutor o 23 de março de 1656. (Em
Holanda a maioridade de começava então aos 25 anos). Embora tenha ganho a causa
na justiça, Spinoza deixou para ela praticamente tudo.
Quando teve lugar a repartição de bens, solo se ficou com uma cama e sua
correspondente cortina para seu uso pessoal. Com essa injustiça, o
distanciamento de sua família foi definitivo.
Os colegiantes
Depois de sua voluntária ruptura com o judaísmo, Spinoza se
liga a uma irmandade ecumênica leiga, de pessoas das mais diversas comunidades
religiosas que se reuniam para ler e interpretar a Bíblia. Sequer a condição de
ser cristão era exigida. Conhecidas como os colegiantes, faziam da Bíblia o
centro de sua vida religiosa, e certamente estimaram muito a entrada de Spinoza,
por seus profundos conhecimentos bíblicos.
O primeiro de seus amigos do círculo dos colegiantes foi o
rico comerciante Jarig Jelles, o qual havia abandonado seu negócio em mãos de
um gerente de confiança a fim de viver em retiro silencioso para meditar.
Jelles empregava fundos em mandar traduzir obras filosóficas, entre as quais as
obras de Descartes, de quem era admirador. Fez traduzir o pensamento estóico de
Séneca e inclusive a Homero e ao Corão. Deve ter se alegradoem receber Spinoza no
grupo, pois seus pensamentos se afinavam, tanto quanto ao interesse pela
filosofia de Descartes quanto por suas posições religiosas em comum. Fixou uma
pensão para que Spinoza pudesse ocupar-se
exclusivamente de escrever e financiou a publicação de seus livros e, após a
morte do filósofo, mandou cuidadosamente, junto com outros amigos de Spinoza,
editar em latim e holandês suas obras.
O outro amigo, colegiante como Jelles foi Pedro Balling,
também comerciante e cujos negócios o levavam por toda Península Ibérica, donde
a possível base de sua amizade com Spinoza ser o fato
de poder conversar com o filósofo na língua materna de sua família. Inteligente
e conhecer do grego e do latim, foi quem traduziu para o holandês os primeiros
escritos de Spinoza.
Um terceiro amigo, mais jovem e também colegiante, foi o
citado Simón de Vries. Filho de um próspero comerciante pretendia ser médico
contando para isto com a orientação deSpinoza. Juntamente com os
demais amigos, de Vries funda, em Amsterdã, uma agremiação para estudar e
discutir a filosofia de Spinoza, com a assistência do
próprio filósofo. Era mais moço que Spinoza, porém falece em
l 667. De Vries ofereceu aSpinoza a soma de dois mil guldens
para que pudesse viver mais folgadamente, mas o filósofo recusou a oferta
alegando que em absoluto necessitava daquela quantia, que poderia inclusive
leva-lo a distrair-se de seu trabalho e de suas pesquisas. De Vries, que veio a
falecer solteiro, também quis fazer de Spinoza seu
único herdeiro, quando o filósofo exigiu dele que deixasse sua fortuna para seu
irmão Isaac de Vries, seu herdeiro legal, que vivia em Schiedam. Vries obedeceu,
porém com a condição de que Isaac pagasse a Spinoza uma
pensão vitalícia. Cumprindo essa condição, Isaac de Vries fixou a pensão em
quinhentos guldens, porém Spinoza o fez reduzi-la a
apenas trezentos.
Alguns colegiantes amigos de Spinoza foram
políticos importantes. Conrado van Beuningen, foi prefeito de Amsterdã e
embaixador na França e na Suécia. Mandou publicar as obras do filósofo alemão
Jacobo Boehme e aceitou a concepção de Deus postulada por Spinoza.
Outro foi Conrado Burgh, ministro das finanças. Um terceiro político foi
Nicolás Tulp, cunhado de Burgh, médico e também prefeito de Amsterdã, famoso
pelo retrato feito por Rembrandt de uma de suas aulas de anatomia; e também
ainda outro prefeito de Amsterdã, conhecido por seus trabalhos de óptica, Juan
Hudde, com quem Spinoza manteve correspondência
filosófica sobre o problema da unidade de Deus. Por último, pertenceu ao mesmo
círculo Juan Rieuwertsz, o editor da maior parte dos livres-pensadores que
procuravam editores holandeses, e que editou toda a obra deSpinoza.
Em 1661 Spinoza sentiu a necessidade
de buscar um local de residência mais tranqüilo para melhor meditar as obras
que preparava. Refugiou na tranqüila aldeia de Rijnsburg, que era o centro dos
colegiantes, nas proximidades de Leyden. Em Rijinsburk, de 1661 a1662, Spinoza dividiu
a morada com o cirurgião Hermann Homam, e ali escreveu "Pequeno tratado
sobre Deus, o homem e sua felicidade" e o seu Tractatus de Intellectus
Emendatione ("Tratado sobre o melhoramento do Intelecto").
Ele também completou a maior parte da sua "versão
geométrica" da obra de Descartes, Principia Philosophiae com o apêndice
Cogitata Metaphysica ("Pensamentos metafísicos") e também a primeira
parte de sua "Ética", a qual dividiu em cinco partes: A respeito de
Deus; A natureza e origem do espírito humano; Natureza e origem das emoções; A
escravidão humana, ou a Força das emoções; e Poder do conhecimento, ou
Liberdade humana. Nessas obras Spinoza envereda pela
contestação ao dualismo cartesiano, e utiliza notas que havia feito nos debates
do círculo de Amsterdã. Em Rijnsburg foi visitado, no verão de 1661, pelo
acadêmico anglo-alemão Heinrich Oldenburg, que logo seria um dos dois primeiros
secretários da Royal Society em Londres. O ano de 1662 é
provavelmente aquele em que Spinoza, completa o
Tractatus de intellectus emendatione.
Período do Tratado Político
A partir de 1663 e até 1670 Spinoza viverá
na pequena aldeia de Voorburg, nas imediações de Haia, e onde seus contactos
políticos serão maiores. O mesmo grupo de amigos políticos de Amsterdã, os
citados Conrado van Beuningen, Juam Hudde e Conrado Burgh, pode encontrar-se
com ele mais facilmente, por virem freqüentemente tratar assuntos políticos em
Haia, sede da Assembléia dos Estados Gerais que governava as províncias unidas
do estado holandês. Porém trava relações com várias outras figuras importantes,
membros da Assembléia, cuja proteção será importante para poder publicar suas
obras. Aqui começa o conhecimento e amizade de Spinoza com
o chefe do Estado Holandês, Johan de Witt. Consta que Spnoza não os procurava
porém os recebia em sua casa onde políticos e pessoas eminentes iam visitá-lo.
Em Vooburg Spinoza alugou seus
aposentos em casa do pintor Daniel Tydeman. Não gozou boa saúde no período em
que lá residiu. Sofria febre freqüente, e tratava-se com sangrias e extratos de
rosa, um antitérmico então em uso. Evitava sair conforme o tempo não
estivesse favorável. Permanecer em casa provavelmente motivou-o a aprender
desenho, possivelmente com o próprio pintor. Pelo menos dois biógrafos afirmam
que tiveram em mãos um livro de desenhos de Spinoza, em que
apareciam retratos de muitos homens eminentes seus amigos.
O Princípios da Filosofia escrito por Spinoza em
Rijnsburg apareceu em 1663 em língua latina, com o título Renati des Cartes
Principiorum Philosophiae Pars I et II, com o apêndice Cogitata Metaphysica, e
no ano seguinte vertido para o holandês pelo amigo Pedro Balling. Foi sua única
obra assinada, publicada durante sua vida. Em parte o propósito desse trabalho
era evidenciar que conhecia Descartes, o qual ele refutava nas obras que iria
completar e publicar. Parece que em meados de 1665 ele estava próximo de
completar sua "Ética". Durante os próximos anos, no entanto, ele
prefere trabalhar no seu Tractatus Theologico-Politicus o qual, seguindo a
mesma cautela então em voga entre os filósofos, ele fez publicar anonimamente
em Amsterdã em 1670. Com certezaSpinoza considerava esse
trabalho indispensável para desarmar os espíritos, a fim de lançar em seguida a
sua Ética.
O Tratado teológico-político foi escrito para mostrar que
não apenas a liberdade de filosofar era compatível com a piedade religiosa e
com a paz do Estado, mas que tirar essa liberdade era destruir a paz pública e
inclusive própria piedade. Ele argumenta também que a inspiração dos profetas
do Velho Testamento compreendia apenas sua doutrina moral e que em matéria de
mundo físico as crenças que tinham eram meramente aquelas próprias do seu tempo
e não tinham importância filosófica. Completa liberdade para a especulação
científica e metafísica era portanto consistente com tudo que é importante na
Bíblia. Os milagres são explicados como eventos naturais mal interpretados e
exagerados para maior efeito moral. Buscou demonstrar que a Bíblica,
propriamente interpretada, não da nenhum apoio à intolerância religiosa ou para
a interferência do clero nos assuntos civis e políticos.
À época em que Spinoza escreveu
seu Tratado, o destino político da Holanda estava em jogo. Parecia inevitável
que, quando De Witt deixasse o poder, o príncipe de Orange trataria de ser
soberano. Seria o fim da República colegiada e a volta da monarquia desejada
pelo partido orangista. Spinoza se preocupa com a
constituição do Estado, fosse ele monárquico ou aristocrático, "para que
não sucumbisse à tirania e ficassem intactas a paz e a liberdade dos
cidadãos", fazendo uma minuciosa exposição e crítica das constituições do
tipo monárquico e aristocrático. Exige a participação do povo no Estado e a
cooperação regular do povo com a aristocracia. Suas idéias tinham, portanto,
enorme importância política, porque favoreciam aos partidários da república,
então comandada por Johan de Witt, e contrariavam as pretensões de Guilherme III,
príncipe da casa de Orange, de transformar as províncias unidas em uma
monarquia, o que contava com o apoio dos calvinistas ortodoxos.
Em maio de 1670 Spinoza mudou-se
para Haia, imediatamente depois da publicação do Tratado teológico-político.
Vai morar no bairro mais tranqüilo da cidade, onde viviam então numerosos
intelectuais e artistas., primeiro em casa de uma senhora viuva, van Velen, e
depois, na primavera de 1671, em casa do pintor Hendrick van der Spyck, em
Paviljoensgracht, onde ficou até sua morte.
Em Haia os calvinistas ortodoxos, dominantemente
monarquistas ou do "partido orangista", levantaram denuncias contra o
Tratado, que em 1669 foi denunciado pelo Conselho da Igreja calvinista de
Amsterdã como "um instrumento forjado no inferno por um judeu renegado e o
demônio, e publicado com o conhecimento do Senhor De Witt". Para os
contemporâneos era evidente que seu autor estava em íntima relação com a pessoa
e a política do Chefe da Confederação das Províncias ou Estados Gerais. Suas relações
eram muito próximas e conhecidas. Seu biógrafo e contemporâneo Lucas diz que De
Witt ouvia a opinião de Spinoza sobre questões
políticas importantes, discutia com ele questões de matemática, pois ele mesmo,
De Witt, conquistou fama de matemático notável no estudo das seções cônicas e
no cálculo de probabilidades, enquanto Spinoza, por sua vez,
escreveu um opúsculo sobre o cálculo de probabilidades, motivo pelo qual
manteve em correspondência com um tal van der Meer. Os protestos contra o
Tratado não alcançaram nenhum resultado enquanto Johan de Witt teve em suas
manos o leme do Estado. A obra provocou grande interesse e teve cinco edições
sucessivas nos cinco anos seguintes. Mesmo depois do assassinato De Witt em
1672 não se produziu nenhuma intervenção e o livro alcançou ainda duas edições
mais devido ao extraordinário interesse que despertou em toda a Europa. Mas
quando Guilherme III, para afirmar seu poder, se liga cada vez mais com a
ortodoxia calvinista, tem fim a liberdade do Tratado. Por um édito de 1674
a Assembleia dos Estados Gerais, agora chefiada pelo príncipe de Orange, o
proíbe junto com outros livros considerados contrários à religião do Estado.
Últimos anos.
Certamente Spinoza sentiu a morte do
pintor Rembrandt (nascido em Leiden em 1606) ocorrida em Amsterdã, em 1669. Em
1671 Leibniz, sabendo-o uma autoridade em ótica enviou para Spinoza o
seu Notitia opticae promoteae; Spinoza retribuiu a
gentileza enviando-lhe uma cópia do Tractatus Theologico-Politicus que
interessou profundamente o filósofo alemão.
Em 1672 os franceses invadiram as Províncias Unidas. Os
holandeses abriram os diques do mar e conseguiram manter o inimigo a um dia de
marcha de Amsterdã. Johan de Witt e seu irmão foram considerados responsáveis
pela invasão e foram linchados por uma multidão em 20 de agosto. Guilherme de
Orange foi feito Capitão-General das Províncias Unidas. O linchamento de De
Witt levou Spinoza a planejar colocar cartazes
denunciado a barbárie - um ato que poderia ter custado sua vida não tivesse ele
sido à força impedido de executá-lo pelo senhorio da casa em que morava.
Elaborou um cartaz taxando de bárbaros os responsáveis pelo assassinato e pretendia
fixá-lo no lugar do crime. Mas seu senhorio van der Spyck fechou a porta
impedindo-o de sair, de modo que teve de desistir de seu inútil e perigoso
propósito.
No ano seguinte, l673, recebeu um convite da Universidade de
Heidelberg. O nobre príncipe eleitor palatino Carlos Luís, que reconstruiu seu
país sobre as ruínas da Guerra dos Trinta Anos, pretendendo superar os
conflitos religiosos funda um Templo da Concórdia para o culto comum das três
confissões cristãs. Spinoza, que em seu Tratadoteológico-político
expõe os dogmas de uma fé comum, devia parecer-lhe o homem mais indicado para
ensinar filosofia em sua Universidade. Encarrega ao geólogo Luís
Fabritius de escrever a Spinoza oferecendo-lhe a
cátedra de professor titular de filosofia. Porém não fica claro para Spinoza se
poderia gozar de completa liberdade de pensamento o que o faz recusar o
convite.A decisão de Spinoza foi sensata porque, de
fato, a Universidade de Heidelberg foi fechada no ano seguinte, ao ser ocupada
a cidade pelos franceses.
A situação de Spinoza em Haia ficou
perigosa em maio de 1673, quando ele foi para Utrecht (então sob ocupação
francesa) com vistas a uma possível negociações de paz.Spinoza recebeu
um convite do chefe supremo do exército francês, o grande Condé, que havia
ocupado a maior parte de Holanda, para que o filósofo lhe fizesse uma visita em
seu quartel general de Utrecht. O oficialato francês em campanha desejava de Spinozaum
esclarecimento sobre a situação religiosa da Holanda, que supunham não era
puramente protestante e estava cheia de católicos e de sectários de várias
correntes.
Spinoza aceita o convite e empreende a
viagem a Utrecht através das tropas inimigas com a aprovação dos regentes
holandeses que viram com esperança a probabilidade de se fazer a paz, e aquela
era a ocasião para sondar as perspectivas por meio de uma conversação, não
comprometedora, com o general inimigo. Mas a missão de Spinozanão
teve êxito, porque Condé havia partido de Utrecht e Spinoza esperou
inutilmente seu regresso durante algumas semanas. No seu retorno, várias
semanas depois, ele foi recebido mal pela desconfiada população de Haia,
correndo rumores de que era espião francês.
Em Haia Spinoza começou a compor uma
gramática hebraica (Compendium Grammatices Linguae Hebraeae), mas não a
terminou; em lugar disso, ele retomou o trabalho de redação da Ética. Apesar de
toda a cautela guardada ao preparar sua Ética, transpirou que preparava uma
publicação cheia de idéias revolucionárias. Os representantes da Igreja
calvinista iniciaram a luta em toda Holanda contra o livro, e
apelaram ao governo para impedir sua publicação. Quando em 1675 termina essa
obra, não consegue publicá-la. Havia se difundido o rumor de que estava no
prelo um libro seu sobre Deus, no qual tratava de demostrar que Deus não
existia. Alguns teólogos apoiados por certos cartesianos que queriam limpar-se
de toda suspeita de simpatizar comSpinoza, o acusam ante o
príncipe de Orange. "O assunto toma dia a dia um vulto mais grave",
escreve Spinoza a Oldenburg. Porém a obra circulou em
cópias manuscritas entre seus amigos mais íntimos.
Spinoza não para de escrever. Empreende
alguns trabalhos menores, faz anotações à margem do Tratado teológico-Político,
e trabalha em sua gramática da língua hebrea que antecipa posições da moderna
filosofia do linguagem, além de um opúsculo sobre o arco-iris, publicado depois
de sua morte. Mas o trabalho fundamental dos dois últimos anos de sua vida foi
o Tratado Político, no qual expõe sua teoria do Estado e projetos de
constituições para os estados monárquicos e aristocráticos, e que não viveu
para completar.
Depois que a Ética ficou conhecida, Spinoza foi
procurado por muitas pessoas importantes. Destes, o mais notável foi Gottfried
Wilhelm Leibniz, o qual era, comoSpinoza, um dos mais destacados
racionalistas da época. Ambos os filósofos haviam trocado exemplares de obras
suas alguns anos antes ( vide acima) e por último Leibniz havia tentado em vão
conseguir uma cópia manuscrita da Ética. Vindo de Paris, Leibniz visita a Spinoza em
Haya em 1676. Na ocasião Leibniz, nascido em 1646, contava 29 anos. Falaram
sobre as leis cartesianas do movimento, sobre uma nova forma da prova
ontológica proposta por Leibniz, ocasião em que Spinoza lhe
mostra o manuscrito de sua Ética e lê para o colega algumas partes. De acordo
com Leibniz, nessa visita eles conversaram longamente muitas vezes. Outro
ilustre visitante foi Ehrenfried Walter von Tschirnhaus (em 1675), um cientista
e filósofo que se interessava especialmente pela teoria do método. Com Tschirnhaus
trocou uma correspondência sobre questões filosóficas relativas ao
conhecimento, com grande interesse por parte de Tschirnhaus que mais tarde
publicaria uma Medicina do Espírito ou Psicologia. médica.
De declarações de quase todos os que o visitaram ou com ele
conviveram se pode compor os traços gerais da personalidade de Spinoza.
Leibniz diz da figura de Spinozaque ele tinha uma cor
azeitonada, o que é comum aos povos do Mediterrâneo. Tinha traços típicos
portugueses e espanhóis conforme a descrição de seu principal biógrafo, o
citado Colerus, que o apresenta de mediana estatura, rosto moreno, cabelos
negros e ondulados e sobrancelhas largas e negras.
Segundo os donos da casa onde alugou seus aposentos suas
maneiras eram tranqüilas e reservadas; às crianças da casa ele aconselhava
obediência aos pais, e que assistissem aos serviços religiosos. Estando em casa
passava a maior parte do tempo recolhido ao seu trabalho, se bem que gostasse
de conversar com o senhorio sobre variados assuntos enquanto se dava ao prazer
de fumar um cachimbo. Sua simplicidade impedia que suas maneiras reservadas
fossem tomadas por alguém como pretensão de superioridade. Vestia-se bem e
disse do estereótipo dos filósofos: "Uma aparência suja e descuidada não
nos transforma em sábios". Diz um seu biógrafo que no ambiente refinado do
quartel general francês onde foi recebido, se admiraram da natural distinção de
seu porte. O marechal francês Charles Saint Dénis, Seigneur de Saint Evremont,
hospede do príncipe de Orange, Guilherme III, ateu e autor de memórias, logo
que chega à Holanda, em 1665, visita a Spinoza em
Voorburg e o descreve: "Spinoza era de mediana estatura
e de fisionomia agradável. Seu saber, sua discrição e sua independência faziam
que todas as pessoas inteligentes de Haia o apreciassem e buscassem seu
convívio". Se diz geralmente que não só ensinou sua filosofia, como também
que ele próprio a seguiu. Viveu suas próprias máximas: "Dos prazeres fazer
uso só do necessário para conservar a saúde. Adquirir dinheiro ou outros bens
só na medida necessária para subsistir e conservar nossa saúde e para
adaptar-se a uma vida social que não seja contraria a nossos fins". Aceita
a alegria como um bem em si e rechaça a tristeza porque nos deprime.
"Quanto maior é a alegria que nos invade, tanto maior é a perfeição que
alcançamos".
Spinoza morreu inesperadamente em 21 de
fevereiro de 1677. Havia chamado ao médico Jorge German Schuller, de seu
círculo de amizades, um alemão nascido em Wesel em 1651 que exercia sua
profissão em Amsterdã e era aficionado aos experimentos de alquimia. Schuller
estava presente quando faleceu. Seu corpo foi sepultado na Nieuwe Kerk (Igreja
Nova), no Spuy, a igreja da aristocracia cristã. Faleceu solteiro sem deixar
herdeiros, e seus pertences foram leiloados. A lista de objetos foi conservada
e inclui 160 títulos de livros.
Seguindo instruções do filósofo, vários amigos prepararam
seus manuscritos secretamente para publicação e os enviaram a um editor em
Amsterdã. A Opera Posthuma ( Ethica, Tractatus politicus, Tractatus de
intellectus emendatione, Epistolae, Compendium Grammatices Linguae Hebrae e
também suas cartas foram publicados antes do fim do ano de 1677. O seu
"Sobre o arco-íris" e o seu "Sobre o cálculo das
oportunidades" foram impressos juntos em 1687. O "Pequeno tratado
sobre Deus, o homem e sua felicidade" somente foi conhecido quando
publicado bem mais tarde, em 1852.
O que Spinoza quer dizer com prova
geométrica é precisamente que, se aceitamos as definições e os axiomas dados, e
desde que as deduções sejam corretamente feitas, então temos que aceitar as
conclusões. Cada uma das cinco partes da "Ética", sua obra
fundamental, abre com uma lista de definições e axiomas, dos quais são
deduzidas várias proposições, ou teoremas. Porém, porque a Ética começa
justamente com uma definição básica, a definição de "substância", que
é aquilo que necessariamente existe, fica claro que, se rejeitamos sua definição
de substância estamos rejeitando todas as deduções que ele faz a partir dela;
rejeitando, portanto, todo o seu sistema.
Spinoza recomenda que façamos uma
cuidadosa distinção entre as várias formas de conhecimento e confiemos apenas
nas melhores. Primeiro, existe o conhecimento por ouvir dizer, pelo qual, por
exemplo, sei o dia de meu nascimento. Segundo, existe a experiência vaga, o
conhecimento empírico no sentido depreciativo, como quando um médico sabe de um
tratamento, não através da formulação científica de testes experimentais, mas
por uma impressão de que costuma dar certo. Terceiro, existe a dedução
imediata, ou seja, conhecimento a que se chega pelo raciocínio, como quando
concluo da imensidade do sol por saber que a distancia diminui o tamanho
aparente dos objetos. Este último tipo de conhecimento é superior aos outros
dois, mas está ainda sujeito a uma repentina refutação pela experiência direta.
Quarto, a forma mais elevada de conhecimento, que provém da
dedução imediata e da percepção direta, como quando vemos imediatamente que 6 é
o número que falta na proporção, 2: 4 :: 3: x; ou quando percebemos que o todo
é maior que a parte. Spinozaacredita que os homens versados
em matemática conhecem Euclides principalmente por essa forma intuitiva; mas
confessa tristemente que "as coisas que com segui saber através dessa
forma conhecimento têm sido muito poucas até agora".
Comentando o conhecimento empírico, Spinoza sustentou
que toda experiência dos sentidos e toda generalização não científica a partir
dessas experiências é inadequada. Nenhum objeto pode ser isolado do resto da
natureza; portanto, ninguém pode afirmar a verdade total sobre ele, uma vez que
isto envolveria a natureza inteira. O conhecimento deste tipo foi chamado por Spinoza opinião
ou imaginação. Se, no entanto, como acontece na terceira forma, a consciência é
dirigida somente para aquelas propriedades que todos os objetos tem em comum,
não haverá a distorção que ocorre na experiência dos sentidos. Este tipo de
conhecimento é chamado razão. Por esse caminho Spinozadava
conta da possibilidade do conhecimento a priori na geometria, física geral e
psicologia geral.
A quarta forma, que é a intuição, parece ser adequada ao
conhecimento dos objetos individuais. É possível, pela intuição afirmar de
qualquer coisa que ela depende de Deus como sua causa completa, imanente.
Talvez pelo termo intuição Spinoza referisse a um tipo
de experiência mística, o insight acompanhado por uma forte emoção que ele
chamou "o amor intelectual de Deus" na dependência de todas as
coisas, incluindo o ser humano ele mesmo, no total da natureza.
Deus
Na primeira parte da Ética, Com respeito a Deus, Spinoza,
após apresentar as definições e axiomas pertinentes, deduz 36 proposições sobre
a natureza de Deus.
Destas a mais importante sem dúvida é a 14, que diz:
"Além de Deus, nenhuma substância pode ser dada ou concebida". Ela é
a proposição panteísta de Spinoza, na qual ele faz Deus
idêntico ao universo; tudo que existe, sob qualquer forma, é parte de Deus.
Esta proposição conflita com a idéia mais comum de que Deus é transcendente,
distinto da sua criação, separado do mundo físico e dos homens. O argumento deSpinoza a
esse respeito é o seguinte: Não é possível existirem duas substancias com os
mesmos atributos; ora, Deus tem todos os atributos; então não sobra qualquer
atributo possível que já não esteja em Deus e portanto nenhuma outra substancia
pode existir além de Deus mesmo.
Pensamento e extensão são dois atributos. Existem coisas que
são pensamento e existem as coisas do mundo físico que têm a extensão. No
entanto, para Spinoza, Deus já possui necessariamente esses
dois atributos, pensamento e extensão, porque sua perfeição exige que tenha
todos os atributos possíveis. Consequentemente esses atributos não pertencem a
uma substância pensamento ou a uma substância coisa física e sim pertencem a
Deus que tem todos os atributos possíveis. Logo, Deus é a única coisa que
existe. Necessariamente, as outras coisas só existem em Deus mesmo, como parte
d”ELE.
Spinoza chama de substancia aquilo que
verdadeiramente existe, o ser interior ou a essência. Substancia então é aquilo
que eterna e imutavelmente é, aquilo que pode ser pensado como tendo existência
completamente independente e do qual todo o resto participa como forma ou modo
transitório. Porque não pode ser explicada por nenhuma outra coisa, ela deve
ser sua própria causa, ou necessariamente existente. Como tal, pode haver
apenas uma única substância, e Spinoza a identifica com
Deus e ao mesmo tempo com a Natureza inteira. Spinoza assim
aporta ao panteísmo.
Mas, ainda assim, Spinoza não exclui
que haja um Criador e a coisa criada. Spinozaconcebe a
natureza, que é Deus, sob um duplo aspecto. Como um processo ativo e vital, que
chama "natura naturans", natureza criadora; e como o produto passivo
desse processo, "natura naturata" natureza criada, a matéria e o
conteúdo da natureza, suas florestas e ventos e águas, suas colinas e campos e
miríades de formas externas. E assim explica essas duas naturezas contidas na
substância (que seria Deus ou uma natureza geral): Se duas coisas, dois
universos, tiverem os mesmos atributos, então trata-se da mesma coisa, ou do
mesmo universo, ou da mesma substância, como visto. No entanto, a substância
única, que contem todos os atributos, pode mostrar diferenças, não nos
atributos, porém no que Spinoza chama
"modos". Um modo (ou modificação) é uma propriedade mais restrita do
universo, o modo como um atributo aparece em um nível inferior. Modos variam,
aparecem e desaparecem.
Um modo é uma coisa ou acontecimento individual, qualquer
forma ou aspecto especial, que a realidade assume transitoriamente; você, seu
corpo, seus pensamentos, seu grupo, sua espécie, seu planeta, são modos; tudo
isso são formas, modos, quase que literalmente estilos, de alguma realidade
eterna e invariável que está por trás e por baixo deles. Por exemplo, a forma
de um objeto, se redondo, se tem superfície irregular, quadrado, etc., é uma
modificação ou modo do atributo extensão. Os
Todas as coisas, ainda que em grau diverso, são animadas.
Vida ou mente é um aspecto ou fase de tudo que conhecemos, assim como a
extensão material ou corpo é uma outra fase; são essas as duas fases ou
atributos (como os denomina Spinoza) através dos quais
percebemos a ação da substancia ou Deus. Nesse sentido, Deus, o processo
universal e realidade eterna por trás do fluxo das coisas, pode ser considerado
como tendo uma mente e um corpo. Nem a mente nem a matéria são isoladamente
Deus; mas os processos mentais e os processos moleculares que constituem a
história dupla do mundo eles sim, suas causas e leis, são Deus. A vontade de
Deus é antes a soma de todas as causas e de todas as leis e o intelecto de Deus
é a soma de todas as mentes. A mente de Deus, como Spinoza a
concebe, "é toda a mentalidade que está espalhada pelo espaço e pelo
tempo, a consciência difusa que anima o mundo". Portanto, Deus não é
transcendente ao universo, nem pode ter personalidade, providencia, livre
vontade e propósitos. Então, mesmo o homem bom, apesar de que ame a Deus, não
pode esperar que Deus o ame em retorno.
Corpo e Espírito
A substância, que é única na visão de Spinoza,
tem uma infinidade de atributos. Por "atributos" entenda-se
"aquilo que o intelecto pode perceber da substância, como constituinte de
sua essência". Desses atributos somente o pensamento e a extensão são
conhecidos do homem. Aplicando seu esquema metafísico ao ser humano, Spinozaargumenta
que o corpo do homem é um modo sob a extensão, um modo complexo devido a sua
unidade, que vem da manutenção de um modelo constante de relações entre partes
cambiantes. O espírito humano é, similarmente, um sistema mantendo o mesmo
modelo de relações enquanto mudando as partes. No homem não há senão uma
entidade, vista interiormente como mente, e exteriormente como matéria. O que
existe na realidade é a mistura inextricável, a unidade de ambas. A mente e o
corpo não agem um sobre o outro, porque não há outro. "O corpo não pode
determinar que a mente pense; nem pode a mente determinar que o corpo fique em
movimento ou em repouso, ou em qualquer outro estado", pela simples razão
de que "a decisão da mente e o desejo e determinação do corpo... são uma
só coisa". Pois não existem dois processos nem duas entidades. Não há
senão um processo, visto interiormente como pensamento e exteriormente como
movimento.
E o mundo todo é dessa forma unamente duplo; onde quer que
haja um processo "material" externo, ele será apenas um lado ou
aspecto do processo real, que a um exame mais amplo, mostraria incluir também
um processo interno que é correlativo, em graus diferentes e variados, ao
processo mental que vemos dentro de nós. O processo "mental" e
interior corresponde em cada estágio ao processo "material" e
externo; "a ordem e conexão das idéias é a mesma que a ordem e conexão das
coisas." Isto quer dizer que o universo é um todo espacial que é
consciente em toda sua extensão, e "Todas as coisas..., como ele diz,
"são vivas"- uma posição conhecida como panpsiquismo.
Da mesma forma que a emoção é parte de um todo, - do qual as
mudanças nos sistemas circulatório, respiratório e digestivo são a base -, a
idéia, juntamente com as modificações "corpóreas", é parte de um
processo orgânico complexo. Ate mesmo as sutilezas infinitesimais da reflexão
matemática têm repercussão no corpo e, inversamente "não pode acontecer
nada ao corpo que não seja percebido pela mente, e consciente ou inconscientemente
por ela captado" diz Spinoza. "Substancia pensante
e substancia extensa são uma coisa única, compreendida ora através deste, ora
através daquele atributo" ou aspecto. "Certos judeus parecem ter
percebido isso, ainda que confusamente, pois disseram que Deus e seu intelecto
e as coisas concebidas pelo seu intelecto eram uma só coisa."
Vontade e liberdade
Depois de eliminar a distinção entre corpo e mente, Spinoza nega
que haja "faculdades" na mente, ou entidades tais como intelecto ou
vontade, muito menos imaginação ou memória. A mente consiste das próprias
idéias em seu processo e associação. Intelecto é meramente um termo para uma
série de idéias; e vontade um termo para uma série de ações ou volições. A
vontade é primeiramente pensamento de um curso de ações a ser seguido e, quando
não há fatores contrários, a ação em questão inevitavelmente se segue. A ilusão
de uma determinada escolha surge da ignorância do indivíduo das causas
precedentes do pensamento e da ação. Assim, "vontade e intelecto são uma
só e a mesma coisa"; pois uma volição é apenas uma idéia que, pela riqueza
de associações (ou talvez pela ausência de idéias rivais), permaneceu tempo
suficiente no consciente para passar à ação. Cada idéia transforma-se em ação a
menos que seja sustada na transição por uma idéia diferente; a idéia é, ela
própria, o primeiro estágio de um processo orgânico unificado do qual a ação
externa é o desfecho.
O que é freqüentemente chamado vontade, como força
compulsiva, deveria ser chamado desejo: é um apetite ou instinto do qual temos
consciência. "Os homens pensam que são livres, porque têm consciência de
suas volições e desejos, mas ignoram as causas pelas quais são levados a querer
ou a desejar." Cada instinto é um artifício desenvolvido pela natureza para
preservar o indivíduo. Por trás dos instintos está o esforço variado e vago de
auto-observação (conatus sese preservandi). Spinoza vê
isso em todas as atividades humanas e mesmo infra-humanas, como sua motivação
básica. "Todas as coisas, quanto delas depende, esforçam-se em persistir
em suas próprias naturezas; e o esforço com o qual uma coisa procura persistir
em seu próprio ser, nada mais é do que a verdadeira essência daquela
coisa." O prazer e a dor são a satisfação ou a repressão de um instinto;
não são as causas de nossos desejos, mas seus resultados; não desejamos as
coisas porque elas nos dão prazer; mas elas nos dão prazer porque as desejamos;
e nós as desejamos porque temos que desejá-las. Conseqüentemente não existe
vontade livre; as necessidades da sobrevivência determinam o instinto, o
instinto determina o desejo e o desejo determina o pensamento (a idéia de
vontade) e a ação. "As decisões da mente são apenas desejos que variam
conforme as disposições". "Na mente não existe uma vontade absoluta
ou livre; a mente é levada a querer isto ou aquilo por uma causa, que por sua
vez, é determinada por outra causa, e esta por outra e assim por diante, até o
infinito".
O bem, o mal e o belo
A vontade de Deus e as leis da natureza sendo uma única e
mesma realidade diversamente expressa, segue-se que todos os acontecimentos são
a ação mecânica de leis invariáveis. É um mundo de determinismo, não de
desígnio, não de vontade.
A filosofia moral de Spinoza como
ele a apresenta na "Ética", define "o bom" em termos
largamente subjetivos: o bom para diferentes espécies (Por exemplo, para o
homem e para o cavalo) é diferente. O que nossa razão considera como mal, não é
um mal em relação à ordem e às leis da natureza universal, mas somente em
relação às leis de nossa própria natureza, tomada separadamente. Assim, para
Deus a distinção entre bom e mau não teria sentido, uma vez que tal distinção é
essencialmente relativa a finalidades das criaturas finitas. Daí nosso
"problema do mal": lutamos para reconciliar os males da vida com a
bondade de Deus, esquecendo de que Deus está acima do bem e do mal. Bom e mau
são ligados a gostos e finalidades humanas e muitas vezes individuais e não têm
validade para um universo no qual os indivíduos são coisas efêmeras. Assim, quando
qualquer coisa na natureza parece-nos ridícula, absurda ou má, é porque não
temos senão um conhecimento parcial das coisas e ignoramos em geral a ordem e a
coerência da natureza como um todo e porque desejamos que tudo se arrume
conforme os ditames de nossa própria razão.
E tal como acontece com "bom" e "mau", o
mesmo se dá com "feio" e "belo"; esses termos são também
subjetivos e pessoais. Sua estética é também totalmente subjetiva, pois segundo
ela a beleza não é mais que um efeito sobre o espectador.
Spinoza não atribui à natureza nem beleza
nem deformidade, nem ordem nem confusão. Somente com relação à nossa imaginação
podem as coisas ser chamadas de belas ou feias, bem ordenadas ou
confusas."
Teoria Política
Os filósofos modernos formularam hipóteses sobre a vida do
homem anteriormente à formação das sociedades organizadas, buscando, naqueles
primórdios, os fundamentos da ordem política e social.. Também Spinoza pretendeu
lançar-se sobre esse problema, porém veio a falecer antes de completar seu
trabalho. Da sua teoria política ficou apenas o esquema de seu pensamento.
Spinoza formula sua hipótese partindo do
homem primitivo que age sem preocupações com o certo e o errado, sem leis ou
organização social, consultando apenas sua própria vantagem e decidindo o que é
bom ou ruim conforme a sua força. A lei e a regra da natureza sob a qual todos
os homens nascem, e na maior parte vivem, não proíbe nada a não ser o que
ninguém deseja e não se opõe à contenda, ao ódio, à ira, à traição ou a
qualquer outra coisa que os apetites sugiram.
Spinoza exemplifica o egoísmo do estado
natural com a conduta dos Estados no seu tempo: "não há altruísmo entre as
nações", diz ele. Porém, devido à necessidade de ajuda mútua, "porque
na solidão ninguém é forte bastante para se defender e obter todas as coisas
necessárias à vida", os homens tendem à organização social. Os homens não
estão, por tanto, preparados por natureza, para a ordem social; mas o perigo
pede a vidaem comunidade. Uma parte do poder natural, ou soberania, do
indivíduo é passada para a comunidade organizada. Como consequência, a lei do
poder individual cede o lugar ao poder legal e moral do todo.
O Estado perfeito limitaria os poderes de seus cidadãos
apenas na medida necessária à sua finalidade que não é "dominar os homens,
nem coibi-os pelo medo", mas, ao contrário, a de libertar de tal modo o
homem do medo, que ele possa "viver e agir com total segurança sem
prejuízo para si nem para seus semelhantes".
Estabelecidas essas premissas, a forma de governo pode ser
escolhida, democrática, aristocrática ou monárquica, porque qualquer uma dessas
formas políticas pode governar "de maneira que todos os homens... prefiram
o direito publico à vantagem particular". Considera a Monarquia eficiente,
porém opressiva e militarista, e sua preferência parece tender para a
democracia, como melhor forma de governo pois nela "cada um se submete ao
controle da autoridade sobre seus atos, mas não sobre seus julgamentos e
raciocínio; isto é, vendo que todos não podem pensar igual, a voz da maioria
tem força de lei". A força de sustentação da democracia seria o serviço
militar geral, conservando os cidadãos suas armas durante a paz; e a sua base
fiscal seria o imposto único.
Porém lamenta o defeito da democracia, de permitir o poder
aos medíocres, e favorecer com os melhores cargos os maiores bajuladores.
"O caráter inconstante da multidão quase leva ao desespero aqueles que
dele têm experiência; pois é governada unicamente pelas emoções e não pela
razão." Assim, o governo democrático torna-se um desfile de demagogos de
vida curta e homens de valor relutarn em ver seus nomes em listas para serem
julgados e catalogados por pessoas inferiores. Mais cedo ou mais tarde os
homens mais competentes rebelam-se contra um tal sistema, ainda que estejam em
minoria. "Por isso, acho eu, é que as democracias passam para
aristocracias e estas afinal para monarquias"; o povo, enfim, prefere a
tirania ao caos.
A igualdade de poder é uma condição instável; os homens são
desiguais por natureza; e "aquele que pretende a igualdade entre desiguais
pretende uma coisa absurda". A democracia tem ainda de resolver o problema
de atrair os melhores esforços dos homens, ao mesmo tempo em que dá a todos o
direito de escolha daqueles por quem desejam ser governados.
Religião
No "Tratado teológico-político" e no "Breve
Tratado acerca de Deus, o homem e Sua felicidade suprema" Spinoza expõe
suas idéias sobre a religião. Seu modo de considerar a religião e seu papel no
Estado é claramente coincidente com o daquele grupo de amigos de cujas
convicções religiosas e políticas, bem definidas, ele compartilha como
"colegiante". A posição que tinham em comum, de tolerância frente à
rivalidade das seitas, o amor e obediência a Deus como somente o que importava,
constitui também o núcleo do pensamento de Spinoza a
respeito da religião. Cristo é considerado porSpinoza como a
sabedoria divina que rege o mundo. Mostrando a influência do pensamento de
Descartes, os colegiantes pretendem que a fé religiosa "é um conhecimento
claro e distinto da verdade na mente de cada homem, pelo qual adquire uma
convicção tal do ser e das qualidades das coisas que lhe resulta impossível
duvidar delas".
Spinoza não aceita-a divindade de Cristo,
mas dá-lhe o primeiro lugar entre os homens. "A eterna sabedoria de
Deus... mostrou-se em todas as coisas, mas principalmente na mente do homem, e
principalmente em Jesus Cristo." "Cristo .foi enviado para
ensinar não só aos judeus mas a toda a raça humana"; daí "Ele
acomodou-se à compreensão do povo... e ensinava mais freqüentemente por meio de
parábolas." Considera que a ética de Jesus é quase sinônimo de sabedoria;
reverenciando-O nós nos elevamos ao "amor intelectual de Deus".
Foi esperança de Spinoza que a
religião judaica e a cristã, - que na verdade seriam uma só -, quando fossem
afastados o ódio e as incompreensões e quando a análise filosófica encontrasse
o âmago e a essência ocultos dessas crenças rivais, haveriam de unir-se. Mas,
em seu tempo assim não era, e por isso diz: "Admiro-me com freqüência de
que pessoas que se ufanam de professar a religião cristã, ou seja, a religião
do amor, da alegria, da paz, da temperança e da caridade para com todos os
homens, briguem tão rancorosamente e manifestem um ódio tão amargo uns para com
os outros. Esquecem que isso, mais do que as virtudes que professam, oferece um
critério decisivo para o julgamento de sua fé."
O primeiro passo para essa união, na opinião de Spinoza,
seria a concordância em relação a Jesus. Uma figura tão nobre, livre do
cerceamento de dogmas, que levam apenas a divisões e disputas, atrairia todos
os homens; e talvez em seu nome, um mundo dilacerado por lutas suicidas de palavras
e armas, pudesse afinal encontrar uma unidade de fé e uma possibilidade de
fraternidade.
O pensamento de Spinoza no
"Tratado teológico-político" enfoca três aspectos da religião: a
Bíblia, sua própria defesa contra a acusação de ser ateu, e a separação entre
Igreja e Estado. Com respeito à Bíblia, Spinoza ataca o
dogma da revelação que interpreta a Bíblia como uma mensagem de Deus para os
homens. Sua polêmica com o ¡judaísmo era de grande atualidade dado o valor que
o calvinismo atribuía ao Antigo Testamento. Aplicando pela primeira vez na
história a crítica histórica às Escrituras, busca demostrar a origens dos livros
bíblicos e funda a ciência bíblica. Opõe-se à interpretação bíblica
racionalista de Maimónides. É principio fundamental de Spinoza que
a Bíblia só deve ser interpretada no contexto da própria bíblia, pelas suas
possíveis contradições, reafirmações, etc. e de modo algum pela verdade
racional da filosofia. Neste particular, as colocações de Spinoza coincidiriam
de certo modo com o pensamento ortodoxo e contrariando o liberalismo. Mas esta
interpretação pode mostrar apenas o sentido próprio da Bíblia, impedindo que se
submeta à prova da razão.
Spinoza não podia aceitar que o taxassem
de ateu porque acreditava em Deus, apenas era um Deus não personificado, não
humanizado, e sintético com a natureza. Spinozaquer
demostrar que sua fé coincide com todas as religiões no principio do amor e da
obediência a Deus. Chegou a pensar que, com a tolerância dos colegiantes e a
neutralidade dos regentes, haveria a possibilidade de uma religião comum que
poderia unir a todos os homens.
Busca, finalmente, na sua obra, defender a liberdade de
pensamento contra os pregadores fanáticos. Talvez por influência sua Johan de
Witt lutava pelo direito do Estado, tentando tirar totalmente das autoridades
eclesiásticas sua jurisdição nos assuntos temporais. Em 1656 Johan de Witt
havia promulgado um decreto proibindo que se confundisse teologia e filosofia.
Educação
A filosofia da educação de Spinoza é
determinista e estóica, compreendendo que Deus não é uma personalidade
caprichosa absorvida nos assuntos particulares dos homens mas sim a ordem
invariável que sustenta o universo.
Precisamente porque as ações dos homens são determinadas
pelas suas lembranças, a sociedade tem de formar os cidadãos manipulando suas
esperanças e receios, para alcançar uma certa dose de ordem social e cooperação.
Quer nossas ações sejam livres ou não, nossas motivações ainda são a esperança
e o medo. Aquele que considera todas as coisas como determinadas não se pode
queixar, ainda que possa resistir; pois "percebe as coisas sob uma certa
luz de eternidade" e compreende que suas desventuras não são acasos no
esquema total; que elas têm alguma justificativa na eterna seqüência e
estrutura do mundo. Com esse espírito, ele se ergue dos prazeres caprichosos da
paixão para a elevada serenidade da contemplação, que vê todas as coisas como
partes da ordem e do desenvolvimento eternos; aprende a sorrir diante do
inevitável e "quer receba o que lhe é devido agora ou dentro de mil anos,
permanece contente".
O determinismo conduz a uma vida moral melhor: ensina-nos a
não desprezar ou ridicularizar ninguém, a não ficar zangado com ninguém; os
homens "não são culpados"; e ainda que punamos os canalhas, será sen
ódio; nós os perdoamos porque não sabem o que fazem. Acima de tudo, o
determinismo fortalece-nos para acolher as duas faces da fortuna com igual
espírito; lembramo-nos de que todas as coisas sucedem conforme as leis eternas
de Deus.
Guilherme SM - Spinoza, in. Link Origins, Internet, disponível em http://linkorigins.blogspot.com.br, revisto em 2014
Estas páginas são,
predominantemente, resumos do artigo Spinoza, in. Filosofia
Moderna - Rubem Queiroz Cobra
COBRA.PAGES.nom.br, Internet,
Brasília, 1997. Disponível na internet em Filosofia Moderna
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