A época em que viveu o filósofo dinamarquês Soren
Aabye Kierkegaard foi, inicialmente, um período
de grande crise política e militar sofrida por seu país, em conseqüência das
guerras napoleônicas. Somente na idade madura do filósofo, a Dinamarca veio a
sair do atraso econômico causado pelos conflitos. Graças a uma política liberal
que aboliu o trabalho obrigatório do camponês para os nobres seus senhores
(regime medieval de servidão), e aboliu a monarquia absolutista, o país foi,
aos poucos, foi se transformando em país industrializado e não apenas agrícola.
Uma juventude universitária liderada pelo estudante Martin Lehmann, exigiu
essas reformas liberais, e uma geração de intelectuais jovens, entre eles Kierkegaard,
motivou que os meados dos anos 1800 fossem também chamados "idade de
ouro" da literatura dinamarquesa.Kierkegaard viveu a
maior parte de sua vida no reinado de Frederico VI, porém o período mais
produtivo de sua maturidade transcorreu sob os reinados sucessivos de Christian
VIII e Frederico VII.
Vida
Infância
Soren Aabye Kierkegaard nasceu
em Copenhague, Dinamarca, a 5 de maio de 1813 e cresceu num ambiente de devoção
religiosa luterana. Seus pais procediam da península da Jutlândia, a parte
continental da Dinamarca. Michael Pedersen Kierkegaard, o
pai de Soren, era um homem de vontade forte, argüidor e argumentativo,
autodidata por meio de muitas leituras, e muito voltado para questões
espirituais. De origem humilde, porém havia se tornado rico e influente em seu
meio social. Sua casa era ponto de reunião de líderes religiosos e políticos do
seu tempo. Pertencia à corrente religiosa dos pietistas de Herrnhuter. Sofria
ataques periódicos de depressão porque, devido a uma blasfêmia proferida quando
jovem, não acreditava na salvação de sua alma.
A mãe de Kierkegaard, Anne, foi a segunda
esposa de seu pai, o qual não tivera filhos da primeira mulher. Seu ingresso na
casa foi como uma jovem empregada doméstica, que o pai de Kierkegaard engravidou
antes de desposar, fato que contribuiu para aumentar ainda mais para ele o peso
de suas culpas. Enquanto Kierkegaard escreveu muito em
seus diários a respeito do pai, ele raramente escreveu sobre sua mãe. Ela
morreu quandoKierkegaard tinha 21 anos.
Formação
A influência do pai sobre personalidade de Kierkegaard e
sua obra tem sido sempre salientada. Ele foi o filho mais novo de sete irmãos.
Quando nasceu, seu pai tinha 56 anos e sua mãe 45, razão de ele dizer que era
um filho da velhice.
Uma importante anotação que Kierkegaard fez
em seu diário, quando tinha vinte e cinco anos, a respeito do que ele chamou
"Grande terremoto", revela o quanto a influência de seu pai foi
perturbadora, em sua vida. Refere-se ao abalo que sofreu ao compreender o que
acontecera ao pai e as conseqüências do acontecido para toda a família. Quando
jovem, seu pai fora ajudante de administrador de uma fazenda na Jutlândia.
Revoltado com as privações de sua vida de camponês, subiu ao alto de uma colina
e amaldiçoou solenemente a Deus. Logo depois um tio seu, negociante de artigos
de lã em Copenhague, chamou-o para o negócio. A partir daí o pai havia
prosperado como negociante de roupas, tornando-se um homem rico: dono de 5
casas na capital que milagrosamente escaparam do bombardeio da cidade pelos
ingleses em 1807. Também salvou-se da recessão e falência do estado em 1813,
ano do nascimento de Soren, porque investiu em títulos de seguro tudo que tinha em
dinheiro. Foi tão bem sucedido que pode aposentar-se com apenas quarenta
anos. Viveu confortavelmente até os 82 anos, quando faleceu. No entanto, em
suas crises de melancolia, sentia que o favorecimento do seu sucesso e sua
longevidade haviam sido uma ironia, e na verdade vingança de Deus. Cinco de
seus filhos morreram prematuramente, incluindo sua primeira esposa, e estava
certo de que os dois filhos restantes haveriam de morrer quando chegassem à
idade da morte de Cristo.
Como o pai, Soren Aabye sofria de
persistente melancolia. Pesava sobre a família o temor das conseqüências do
pecado do pai, e lhe pareceu que a morte de seus cinco irmãos era sinal de
vingança divina, e que ele próprio haveria de morrer muito jovem. Um sinal
desse temor foi o quanto Kierkegaard escreveu,
prolificamente, no ano que antecedeu a marca de seus trinta e quatro anos de
idade. Acreditava que a família estava amaldiçoada, e que seu pai haveria de
ministrar os últimos sacramentos a todos os filhos. Tinha saúde precária e por
isso fora rejeitado pelo exército como incapaz. Rompeu relações com o pai,
vindo a reconciliar-se com ele só bem mais tarde, pouco antes de perde-lo em
1838.
Desanimado, rejeitou a vida burguesa que o pai lhe havia
preparado e que seu irmão mais velho, o pastor Peter, abraçou. Misturou-se aos
jovens de seu tempo e entregou-se a uma vida dissipada. Ele porém não herdou
apenas a melancolia do pai, seu sentimento de culpa e ansiedade, sua
religiosidade pietista escrupulosa, mas herdou também seu talento para
argumentação filosófica e uma imaginação criativa. Foi para a universidade de
Copenhague estudar teologia, mas mudou para filosofia. Sofreu influência dos
prof. Paul Martin Moller e Frederik Christian Sibbern: ambos detestavam
filosofia sistemática e usavam romances de ficção para expor seus pensamentos
filosóficos. Juntou-se aos intelectuais do romantismo, os quais buscavam viver
intensamente seus sentimentos, em contraste com a superficialidade e rotina
tediosa da vida burguesa. Porém, sofreu com os críticos literários que o
ridicularizavam. Tudo isto confirmou os ensinamentos do pai, que giravam em
torno dos sofrimentos de Cristo, de que a verdade (o próprio Cristo) se
estabelece mediante sofrimentos, de que o mundo é governado por mentiras e
injustiças. A mágoa lhe trouxe o grande desgosto pela humanidade de que estão
impregnados quase todos os seus trabalhos.
A morte do pai (1838) ensejou grande mudança no
comportamento de Kierkegaard, a partir de então marcado por
súbito amadurecimento. O velho deixou para os dois filhos sobreviventes, Soren
Aabye e seu irmão mais velho, Peter, uma fortuna considerável, que
permitiu ao filósofo passar o resto da vida escrevendo, sem qualquer
preocupação financeira. Então ele retornou aos estudos de teologia na
universidade de Copenhague e dois anos depois concluiu o mestrado.
Kierkegaard viveu solteiro e um dos
grandes acontecimento de sua vida foi justamente romper um noivado, ao mesmo
tempo que a grandeza de sua obra nasceu praticamente das racionalizações
filosóficas e românticas formuladas por ele para justificar para si mesmo e
para a sociedade sua renúncia. Ele conheceu em 1837, Regine Olsen (1822-1904),
em casa de amigos que fora visitar. Ela pertencia a uma família abastada de
Copenhague e tinha 14 anos, idade núbil para as moças daquela época, e Kierkegaardnão
tinha como rejeitá-la, face ao interesse que despertou na jovem. Viu-se levado ao
noivado três anos depois, em 1840, um evento com grande repercussão devido à
grande projeção social de sua família e da família de sua noiva. Quando não
suportou mais a situação, Kierkegaard rompeu o noivado
subitamente e embarcou para a Alemanha. Porém, procurou fazer que todos
pensassem que ele fora rejeitado por Regina, a fim de que, segundo ele, a
reputação da noiva nada sofresse. Ficou seis meses em Berlim.
Em uma das referências que faz ao seu caso com Regine, diz:
"Se eu houvesse explicado as coisas para ela, eu teria que lhe ensinar
coisas horríveis, meu relacionamento com meu pai, sua melancolia (devido à
maldição), a noite eterna que me cobre, meu desespero, luxúria, e
excessos"...etc. Porém não muito depois Kierkegaard ficou
sabendo que Regine estava noiva de Johan Frederik Schlegel (1817-1896), que
tinha sido instrutor dela. De repente Kierkegaard viu
que nada, com respeito à aquele caso, tinha a importância que ele pensava ter.
Em 1854, um ano antes da morte de Kierkegaard, o casal
mudou-se para as Índias Ocidentais Dinamarquesas onde Schlegel foi governador.
O filósofo, quando morreu em 1855, estava já pobre. Mas o que lhe restava
deixou para Regina.
Em Berlim Kierkegaard assistiu as
aulas de Friedrich Wilhelm Joseph Schelling (1775-1854). Ele maravilhou-se com
os brilhantes ataques de Schelling ao hegelianismo então em moda.
Obras
Em suas obras, Kierkegaard lançou os
fundamentos do existencialismo a corrente que depois receberia a contribuição
de Heidegger e Sartre, e fez vasto uso de pseudônimos para uma finalidade muito
especial: eles representam, não ele próprio, mas personagens com pontos de
vista e atitudes próprias. Estabelece uma dialética entre esses personagens, ou
seja, entre dois ou mais pseudônimos seus. Deste modo, um livro assinado com um
pseudônimo responde a outro livro, assinado com outro pseudônimo. O Pseudônimo
Johannes Climacus trata do dilema entre a dúvida e a fé. Vigilius Haufniensis
ocupa-se dos aspectos psicológicos do pecado e da ansiedade. Johannes de
Silentio e Constantin Constantius ocupam-se da ética, a partir dos aspectos
envolvidos no relacionamento de Kierkegaard com Regine
Olsen. Anti-Climacus é o cristão ideal, etc. O seu propósito não era o
anonimato mas desvincular sua personalidade dos assuntos polêmicos de que
tratava.
Os escritos de Kierkegaard, consignados
ao período de sua juventude (1834-1842) e depois impressos, incluem um artigo
sobre a emancipação da mulher, outro sobre a liberdade de impressa escrito para
a Liga dos Estudantes, e principalmente sua primeira obra publicada: "Dos
papeis de alguém ainda vivo".
Na relação a seguir, a tradução dos títulos para o português
foi feita a partir das versõesem inglês. São ainda obras desse período:
- Om
Begrebet Ironi med stadigt Hensyn til Socrates ("O Conceito de
ironia, com referência continua até Sócrates"), 1841. Foi sua tese e
o assunto é, na primeira parte, a ironia de Sócrates - como aparece em
Platão -, de Xenofonte e de Aristofanes, com uma parte sobre Hegel; e na
segunda parte, a ironia em Fichte, von Schlegel, e outros.
- "Notas
das aulas de Schelling em Berlim" (1841-42) que são anotações de
diário sobre seus estudos na Alemanha, publicadas postumamente.
- "Confissão
pública", 1842, que apareceu com seu próprio nome desautorizando
boatos de que era o autor de artigos assinados com pseudônimos. Ele era de
fato o autor, mas era essencial para a dialética autoral que queria criar,
que se desvinculasse da autoria desses artigos.
- Enten-Eller.
Et Livs-Fragment: Forste Deel, indeholdende A."s Papirer
("Ou.../ou: Um fragmento de vida: Primeira Parte, contendo os papeis
de A") e
- Enten-Eller.
Et Livs-Fragment: Anden Deel, indeholdende B."s Papirer, Breve til B,
("Ou.../ou: Um fragmento de vida: Segunda Parte, contendo os papeis
de B, Cartas para B"), são de 1843. As duas partes da obra referem-se
aos dois tipos de vida que Kierkegaard concebe:
estética e ética. A primeira parte é uma coleção de trabalhos apresentando
vários pontos de vista estéticos. A parte segunda é sobre o casamento como
uma expressão do estágio ético. "Victor Eremita" é o editor das
duas partes as quais, têm, cada uma, seu próprio autor. "A", o
Jovem, é o autor da primeira parte, e "B", ou "Juís
William", o autor da segunda parte. Kierkegaardtomou
cuidados especiais para que o público não soubesse que era ele o autor, ao
ponto de fazer os originais serem copiados por mãos diferentes, de modo
que os empregados da gráfica não o identificassem pela caligrafia.
Esmerando-se em extremo nessa farsa, publicou, uma semana após o
lançamento do livro, um artigo seu no "A Pátria",com o
pseudônimo "A. F." onde ele próprio indaga "Quem é o autor
de Ou.../Ou...?" São também de 1843:
- "Uma
palavra de Agradecimento ao Professor Heiberg", por Victor Eremita.
Aquele era uma grande figura da literatura na Dinamarca;
- "Pequena
Explicação", um pequeno artigo escrito também em referencia a
pseudônimos por ele adotados, tal como "Quem é o autor de
Ou.../Ou...?" e "Confissão Pública".
- Johannes
Climacus, eller De omnibus dubitandum est. En Fortælling ("Johannes
Climacus, ou de omnibus dubitandum est. Uma narrativa"), também de
1843, de publicação póstuma, é um trabalho filosófico em que "Johanes
Climacus", na sua busca da verdade filosófica, duvida de tudo,
explorando o modelo cartesiano e hegeliano. "Johannes Climacus"
será também o autor de ("Fragmentos filosóficos") e a outra obra
vinculada, ("Post-scriptum não científico conclusivo"). Este
pseudônimo representa a autoria dos maiores trabalhos filosóficos deKierkegaard.
- Em
1843 também inicia a série Atten Opbyggelige Taler ("Dezoito
Discursos edificantes") que irá de 1843-45. Está dividido em três
seções. A primeira contem o popular "Pureza do Coração é querer uma
coisa"; a segunda é "O que aprendemos dos lírios do campo e das
aves do céu"; a terceira é "O evangelho dos sofrimentos".
Foi publicado por partes: Duas em 1843; três, em 1843; quatro, em 1843;
duas, em 1844; Três, em 1844; Quatro, em 1844)
- Frygt
og Bæven: Dialectisk Lyrik ("Temor e Tremor: um lírico
dialético"), também de 1843. O pseudônimo é "Johannes de
Silentio". Nesta obra Kierkegaard trata do
seu rompimento com Regine na mesma perspectiva em que vê o sacrifício de
Abraão e Isaac: obediência a um dever, mas que exige um ato não ético.
Nesta perspectiva Kierkegaard aborda uma
interessante questão: um julgamento moral pode ser suspenso em virtude de
um poder maior. Ele exemplifica com o episódioem que Abraão recebe de
Deus a ordem de matar Isaac. ("Temor e Tremor") (1843). O
problema que ele coloca é se existem situações nas quais a ética pode ser
suspensa por uma autoridade maior, Deus, que é a essência de tudo que é
ético.
- Gjentagelsen:
Et Forsog i den experimenterende Psychologi ("Repetição, uma
especulação em psicologia experimental"). De 1843, é uma narrativa
filosófica com considerações a respeito da impossibilidade do compromisso
entre dois amantes, situação como a criada por ele próprio com sua noiva
Regine Olsen. O pseudônimo é "Constantin Constantius", um poeta
que escreve sobre o estágio ético, como um jovem amante que só pode amar
sua amada depois deixá-la e somente "poeticamente".
- Philosophiske
Smuler eller Smule Philosophi ("Fragmentos filosóficos, ou um
fragmento de filosofia"), Johannes Climacus, é de 1844. Kierkegaard nesta
obra inicia a abordagem de um tema que irá concluir em "O conceito de
ansiedade". É uma tentativa de apresentar o cristianismo como deveria
ser para que tenha algum sentido. Busca particularmente apresentar o
cristianismo como uma forma de existência que pressupõe a vontade livre,
sem a quaql tudo fica sem sentido.
- Begrebet
angest. En simpel psychologisk-paapegende Overveielse i Retning af det
dogmatiske Problem om Arvesynden ("Conceito de Angustia: uma simples
deliberação psicologicamente orientadora a respeito do problema dogmático
do pecado original"), de 1844, no qual Kierkegaard examina
a doutrina cristã do pecado original e sua relação com a angústia e
ansiedade. A liberdade causa ansiedade. Vigilius Haufniensis é o autor;
Haufniensis significa "vigilante", no caso, da cidade de
Copenhague, como se Kierkegaard se sentisse
responsável pela guarda da sua cidade aparentemente sob todos os aspectos
de seu bem estar.
- Forord.
Morskabslæsning for enkelte Stænder efter Tid og Leilighed
("Prefácios: leitura leve para pessoas em vários estados de acordo
com o tempo e a oportunidade"), Nicolaus Notabene, foi também
publicado em 1844. Uma série de ensaios e críticas satíricas visando o
sociedade literária de Copenhague, principalmente a figura de J. L.
Heiberg. São oito prefácios referentes a oito trabalhos não existentes.
"Nicolaus Notabene", um personagem pedante, é o autor.
- Tre
Taler ved tænkte Leiligheder ("Três Discursos sobre ocasiões
imaginárias"), de 1845. Este trabalho acompanhou o Stadier paa livets
vei ("Estágios no caminho da vida"). Cada um dos três discursos
representa os três estágios ou condições de existência: a estética, a
ética e a religiosa: "Um confissão", "Um casamento", e
"Ao lado de uma sepultura".
- Stadier paa Livets Vei. Studier
af Forskjellige. Sammenbragte, befordrede til Trykken og
udgivet af Hilarius Bogbinder ("Estágios no caminho da vida: estudos
por várias pessoas, compilado, encaminhado à imprensa, e publicado por
Hilarious Bookbinder") É um complemento a ("Ou.../Ou...")
de 1845, e discute a mesma questão do estético e do ético, acrescentando
porém o estágio religioso da existência. O editor é "Hilarius
Bookbinder" A primeira parte, chamada "In Vino Veritas" ou
"O banquete," é assinada por "William Afham" - Afham
significa "por si mesmo" e está calcada no Symposium de Platão:
trata dos mesmos assuntos -- amor, Eros, sexo, mulheres -- com um amargo
sarcasmo e profundo desdém pelas mulheres em geral. "Frater
Taciturnus" assina o texto do estágio religioso.
- "Uma
explicação e um pouco mais", de 1845, pequeno artigo que, como
"Uma pequena Explicação" e "Quem é o autor de
Ou.../Ou..." é outra tentativa deKierkegaard de
guardar distância da autoria de seus trabalhos.
- En
flygtig Bemærkning betræffende en Enkelthed i Don Juan ("Uma
observação superficial sobre um detalhe em Don Giovanni"). É um
artigo publicado no jornal A pátria em 1845 no qual volta ao assunto
relativo à ópera Dom Giovanni de Mozart, tratado inicialmente no
("Ou.../Ou...").,. O autor é "A", que foi o autor de
um artigo muito anterior ("Uma outra defesa das grandes habilidades
da mulher").
- Afsluttende Uvidenskabelig
Efterskrift til de philosophiske Smuler. Mimisk-pathetisk-dialektisk
Sammenskrift, Existentielt Indlæg ("Post-scriptum não científico
conclusivo ao Fragmentos Filosóficos. Uma compilação
Mímico-patético-dialética, uma contribuição existencial"), de 1846,
faz a abordagem subjetiva do conhecimento. Kierkegaar novamente sustenta a
necessidade de se aproximar da verdade subjetivamente, porém sem negar a
verdade objetiva, apenas dizendo que a verdade objetiva somente pode ser
conhecida e apossada subjetivamente. Como o título anuncia, é uma
continuação ao "Fragmentos Filosóficos". Saiu assinado por
Johannes Climacus.
- "A
atividade de um esteticista viajante e como aconteceu de ele ainda pagar
pelo jantar" é um artigo publicado npor Kierkegaard no
Fædrelandet ("A Pátria"), em 1845; foi o primeiro de dois
artigos atacando P. L. Moller e "O Corsário", que havia
inescrupulosamente e negativamente criticado o "Estágios do caminho
da vida" deKierkegaard. Em fins de dezembro de 1845, no
seu anuário de estética Gæa, 1846. Kierkegaard retaliou
revelando que Moller escrevia secretamente para o Corsaren ("O
Pirata"). Este era um semanário humorístico mal afamado, que
satirizava pessoas de respeito, e era considerado desprezível, porém lido
reservadamente por muita gente. Seu editor era Meïr Goldschmidt
(1819-1887), bem mais novo que Kierkegaard, e que este
considerava talentoso. A intenção deKierkegaard com o
seu artigo foi dupla: desacreditar Moller e afastar Goldschmidt do "O
Pirata", porque acreditava que Goldschmidt era capaz de coisas de
mais valor. O resultado foi péssimo para Kierkegaard,
pois "O Pirata" se lançou em uma campanha para metê-lo no
ridículo, caricaturando-o de vários modos, no que foi a maior comoção
literária do século XIX na Dinamarca.
- Det
dialektiske resultat af en literair Politi-Forretning ("Resultado
dialético de uma ação policial literária"), Frater Taciturnus, de
1846, é o segundo de dois artigos que escreveu atacando O Pirata como
jornal como corrupto e difusor de boatos.
- En
literair Anmeldelse: To Tidsaldre, Novelle af forfatteren til En
Hverdags-Historie udgiven af J. L. Heiberg, ("Duas épocas: a época da
revolução e a época presente, uma revisão literária: ") de 1846 uma
longa crítica do romance de Thomasine Christine Gyllembourg-Ehrensvärd,
intitulado "Duas Épocas". A crítica deu margem a uma polêmica,
devido a Kierkegaard achar que sua época era de
reflexão, faltava paixão.
- Opbyggelige
Taler i forskjellig ("Discursos edificantes em vários temas"),
de 1847
- Kjerlighedens
Gjerninger. Nogle christelige Overveielser i Talers Form ("Escritos
de Amor: Algumas deliberações cristãs sob a forma de Discursos"), de
1847. Longa abordagem do preceito cristão "amar o próximo como a si
mesmo". Está claro queKierkegaard estava se
movendo na direção de uma ainda maior austeridade no se pensamento
religioso, e nos trabalhos que ele agora produzia, particularmente
Kjerlighedens gjerninger, retratava um cristianismo rígido e mais
descompromissado que em qualquer de suas outras obras.
- Hr.
Phister som Captain Scipio (i Syngestykket Ludovic): En erindring og for
Erindringen ("O Sr. Phister como Capitão Scipio (na ópera cômica
Ludovico): uma recordação e para recordar"), de 1848, comentário
sobre a atuação do ator Joachim Ludvig Phister"s (1807-1896) como
Capitão Scipio, que demonstra o interesse deKierkegaard pelo
teatro. "Procul" é o autor.
- Krisen
og en Krise i en Skuespillerindes Liv ("A crise e uma crise na vida
de uma atriz") de 1848, são especificamente a respeito da competência
interpretativa da atriz Johanne Luise Pätges Heiberg (1812-1890), mulher
de Johan Ludvig Heiberg, uma figura exponencial da literatura e da
sociedade dinamarquesa. O pseudônimo utilizado por Kierkegaard é
"Inter et Inter".
- Christelige
Taler ("Discursos cristãos"), de 1848, neste Kierkegaard entende
que seus pecados foram perdoados e esquecidos por Deus.
- Bogen
om Adler, eller en Cyclus ethisk-religieuse ("O livro sobre Adler, ou
um ciclo de ensaios ético-religiosos") por Afhandlinger, de 1846-47,
revisado em 1848, foi publicado postumamente. Um pastor hegeliano radical,
Adolf Adler afirmava ter tido uma visão em que Cristo ditara
integralmente para ele um trabalho inteiro, porém confessa depois que sua
revelação fora um erro, que ele pretendia que a obra fosse um trabalho de
gênio. Kierkegaard explora as categorias de
genialidade e inspiração.
- Tvende
ethisk-religieuse Smaa ("Dois pequenos Ensaios Ético
Religiosos") incluindo ("Tem o homem o direito de se deixar
matar pela verdade?") e ("Diferença entre um gênio e um
apóstolo"). Este trabalho, escrito 1847, foi publicado em 1849.Kierkegaard não
publicou "O Livro sobre Adller" mas utilizou parte dele para
tratar de martírio e as categorias de genio e inspiração nos dois artigos
desse folheto, assinados com o pseudônimo Afhandlinger H. H..
- Den
Enkelte"; Tvende "Noter" betræffende min Forfatter ("O
indivídual singular ":Duas "Notas" relativas ao meu
trabalho como um autor"), Virksomhed, 1846-47, com post-scriptum de
1849 e 1855, publicado postumamente em 1859. Foi o primeiro de três trabalhos
que Kierkegaard escreveu em 1848, a respeito
de sua atividade autoral mas foi publicado postumamente em 1859
- Synspunktet for min
Forfatter-Virksomhed. En ligefrem Meddelelse, Rapport til
Historien ("O ponto de vista para meu trabalho como um autor. Uma
comunicação direta, notícia para a História"), foi outro desses três
trabalhos de 1848, a respeito de sua atividade autoral, também
publicado postumamente em 1859. Kierkegaardescreveu
esse trabalho para explicar todo o seu método autoral, mas o deixou sem
publicar porque lhe pareceu muito auto elogioso.
- Om
min Forfatter-Virksomhed 1848-49 ("Sobre meu trabalho como um autor
1848-1849"), suplemento, 1850, publicado em 1851.
- Den
væbnede Neutralitet eller Min Position som christelig Forfatter i
Christenheden ("Neutralidade armada, ou minha posição como um autor
cristão na cristandade"), 1848-49, publicado postumamente em 1880.
Este pequeno trabalho é importante porque poderá ser a mais direta e clara
afirmação da posição de Kierkegaardsobre a Igreja e a
cristandade. Tem estilo diferente do utilizado nos panfletos contra a
cristandade que apareceram ao final de sua vida.
- Lilien
paa Marken og Fuglen under Himlen: Tre gudelige Taler ("Os lírios do
campo e as aves no céu: três discursos devocionais"), 1849, são artigos
que apareceram quase um ano depois de sua experiência religiosa de 1848 e
tem o tom semelhante ao do "Discursos Cristãos".
- Sygdommen
til doden. En christelig psychologisk Udvikling til Opbyggelse og
Opvækkelse ("A doença para a morte: uma exposição psicológica cristã
para edificar e alertar"), de 1849, livro que é peça associada ao
"Conceito de Ansiedade" e também é um trabalho de psicologia,
que vai mais longe que suas primeiras considerações psicológicas sobre a
ansiedade. Neste Kierkegaard considera os aspectos
espirituais da angústia. Considera a ansiedade relacionada ao que é ético,
e a angústia ao que é religioso, ou seja, ao eterno.
"Anti-Climacus" é o autor; com este pseudônimo Kirkegaard
assinou seus mais importantes trabalhos na linha religiosa, personificando
o cristão perfeito. "Anti-Climacus" é do mais alto nível
enquanto "Climacus", ao contrário, personifica um cristão de
menor valor.
- Tre
Taler ved Altergangen om Fredagen ("Três Discursos sobre a comunhão
às sextas-feiras"), 1849. Este trabalho contem: "O sumo
sacerdote" "O publicano " e "A mulher apanhada em
pecado", este último baseado em Lucas. São semelhantes aos
"Discursos Cristãos". Estes trabalhos são acompanhados por uma
breve explicação sobre o recurso a pseudônimos adotado anteriormente porKierkegaard.
- Indovelse
i Christendom ("Prática cristã"), Anti-Climacus, de 1850. Ele
pretende mostrar meios pelos quais o verdadeiro cristianismo pode ser
reintroduzido na Cristandade, pois esta afastou-se do cristianismo do Novo
Testamento. O trabalho é polêmico e homiliético. Foi também um ataque
dissimulado aos chefes da igreja dinamarquesa.
- En
Opbyggelig Tale ("Um discurso edificante"), 1850
- Foranlediget
ved en Yttring af Dr. Rudelbach mig betræffende ("Carta aberta,
provocada por uma referencia a mim feita pelo Dr. Rudelbach")1851,
refere-se a uma proposta de reforma da Igreja feita por A. G. Rudelbach contra
a qualKierkegaard, apesar de desejar essa reforma, objeta
que Rudelbach sugeria instrumentos políticos para a reforma, quando o
necessário era uma demolição com reconstrução espiritual.
- To
Taler ved Altergangen om Fredagen ("Dois discursos sobre a comunhão
às sextas-feiras, escrito em 1849, publicado em 1851.
- Til
Selvprovelse. Samtiden Anbefalet ("Para o exame de consciência:
recomendado para a época presente") 1851, busca reorientar o leitor
para Deus. É densa espiritualidade em todas as suas três partes: "O
que é necessário para se olhar a si mesmo com verdadeira benção no espelho
do mundo?", "Cristo é o caminho" e "É o espírito que
dá a vida".
- Dommer Selv! Til Selvprovelse,
Samtiden Anbefalet. Anden Række ("Julgue por si mesmo!
Para o exame de consciência, recomendado para a época presente. Segunda
série")1851, publicado postumamente em 1876. Está estreitamente
vinculado ao "Para o exame de consciência", acima, e é sobre o
sofrimento e imitação de Cristo.
- Vários
artigos no "A Pátria" (um total de 21), publicados em 1854 e
1855, nos quais dirige pesados ataques à igreja oficial por ter erradicado
o verdadeiro cristianismo, e por tê-lo substituído por uma religião do
Estado.
- Dette
skal siges; saa være det da sagt ("Isto precisa ser dito, logo, deixa
que seja dito") Esse folheto de 1855 foi publicado depois da série de
artigos saídos no "A Pátria". Nele Kierkegaard alega
que a igreja é tão corrupta que é melhor não frequentá-la.
- Oieblikket
("O momento") editado no ano de 1855. Depois dos artigos
publicados no "A Pátria" Kierkegaard publicou
dez folhetos, cada um contendo vários artigos seus, todos continuando seu
ataque à Igreja Oficial.
- Hvad
Christus Dommer om officiel Christendom , ("O que Cristo pensa do
Cristianismo oficial"), de 1855. Essse folheto foi publicado logo
depois queKierkegaard começou a publicar o Oieblikket
("O Momento"). Kierkegaard ataca outra
vez a igreja oficial chamando os clérigos de livre pensadores e perjuros
por não cumprirem seus votos sagrados.
- Guds
Uforanderlighed. En Tale ("A imutabilidade de Deus: Um
discurso") Publicado em 1855, em meio a seu ataque à Igreja.
Além dessas obras, Kierkegaard deixou
cartas e documentos, alguns reunidos depois em obras póstumas, e na publicação
em vários volumes Soren Kierkegaards Papirer (Papeis de Kierkegaard),
primeira parte, os datados de 1834-47, e segunda parte, de 1848-55, restando
milhares de notas de interesse religioso, pessoal ou histórico, a serem ainda
aproveitadas.
Últimos anos
Após a querela com os hegelianos, Kierkegaard torna-se
um reformador religioso. Por volta de 1854 Kierkegaard estava
convencido de que Deus o autorizava a atacar asperamente a igreja dinamarquesa
e seu clero, o que ele começou logo a fazer com uma série de pequenos livros e
panfletos e até com um periódico chamado "O Momento", de cujos
números ele foi o único colaborador. Em 21 artigos no "A Pátria", em
1854 e 1855 ele faz um duro ataque à igreja oficial, como já referido, por ter
erradicado o verdadeiro cristianismo, e por tê-lo substituído por uma religião
do Estado. Intolerante com a hipocrisia, critica os que fingiam espiritualidade
enquanto agiam segundo interesses mundanos. Considerava tais pessoas um produto
da cultura cristã: o indivíduo cauteloso, respeitável, imperturbável, um cavalheiro
da classe média. E sentiu-se chamado por Deus para a tarefa especial de mostrar
aos seus concidadãos a verdadeira natureza do Cristianismo.
A igreja da Dinamarca era estatal e a religião luterana a
religião oficial do Estado. Bastava nascer no país para ser automaticamente
cristão. Kierkegard alegava que isto reduzia a nada a possibilidade de uma
verdadeira conversão radical a Cristo. O cristianismo deve ter por fundamento a
vontade livre, sem a qual tudo perde o sentido.
O pastor local, um verdadeiro funcionário público,
representava a Coroa e por isso, além da prática de suas funções
especificamente religiosas, também era quem coleta impostos, realizava os
recenseamentos, fazia o recrutamento militar, mantinha os registros civis nos
livros da igreja, supervisionava as escolas, e cuidava da assistência aos
pobres, e era o presidente do Conselho Municipal, além de cuidar de seus
próprios interesses, muitas vezes a maior fazenda das vizinhanças. As questões
políticas e os rancores misturavam-se facilmente com os assuntos religiosos,
gerando escândalos.
Atacou o Bispo Jacob Pier Myster, um prelado culto e
secularizado, por juntar o hedonismo de Goete com os sofrimentos de Cristo. Não
chegou a criticá-lo abertamente, pois o bispo era seu amigo e havia sido o
orientador espiritual de seu pai. Porém, com a morte de Myster em 1854, atacou
publicamente o bispo que o sucedeu, Hans Lassen Martensen (1808-84), um
hegeliano, pregador na corte, o qual Kierkegaard não
respeitava.
Morte
As tensões daqueles dois anos da sua campanha afetaram sua
saúde. Em outubro de 1855 Kierkegaard caiu inconsciente
na rua, e ficou com paralisia das pernas. Levado ao Hospital, era visitado ali
diariamente pelo amigo Pastor Boesen, tendo proibido a entrada de seu irmão
Peter, do qual divergia pelas razões mesmas da sua campanha. Não quis receber a
comunhão, para não recebê-la das mãos de um pastor da Igreja Luterana que ele
disse devia ser abandonada, uma vez que Deus estava sendo desrespeitado em suas
igrejas. Após internado 40 dias, veio a falecer
Seu enterro foi acompanhado por uma multidão engrossada por
estudantes que fizeram a guarda de seu corpo. O Pastor Peter, seu irmão, fez a
oração fúnebre na "Frue Kirke", a mais importante igreja de
Copenhague, e que logo cedo ficou lotada. Muitos protestaram por ter o corpo
sido trazido à Igreja, por acharem que a igreja nacional não devia se imiscuir,
em respeito à oposição que lhe havia feito o filósofo.
Filosofia
Ante hegelianismo
Segundo Kierkegaard, diante da vida há
várias opções possíveis, o que é, portanto, incompatível com a malha lógica em
que, segundo Hegel, caem todos os fatos e também as ações humanas. Aquele
pensador alemão postulava, muito ao modo aristotélico, que a história do
universo obedece a uma lógica absoluta, e o homem não tem liberdade porque ele
está já, previamente, preso nessa malha lógica da História. Em outras palavras,
Hegel não deixa espaço para a liberdade e a fé, por causa da lógica dialética
do absoluto racional, um sistema que rege todas as coisas e de cujo
determinismo o homem não pode escapar.
No citado "Post-scriptum", com o pseudônimo de
Johannes Climacus (1846), Kierkegaardsustentou que uma
sistematização lógica para a existência era impossível, uma vez que a existência
é incompleta e está evoluindo constantemente. Isto implicaria um erro, que
seria a tentativa de introduzir mobilidade na Lógica.
A verdade
Se não há lógica na existência, mas a existência é
verdadeira, então a verdade também não tem lógica. Esta é a questão que
Kierkegard aborda em "Post-scriptum não científico". Assim, para ele,
não encontramos a verdade como uma coisa objetiva e lógica, destacada de nós,
mas através de nosso modo único e peculiar de apreender as coisas que é nossa
paixão: a verdade é encontrada através da subjetividade. Quanto maior o ardor
com que se acredita, mais verdadeiro é o objeto do conhecimento. Isto
evidentemente equivale a fazer da verdade a expressão da fé. É ao colocar maior
ou menor fé em algo, que construímos nossa verdade.
A verdade, para Kierkegaard, não é uma
"coisa", mas uma afirmação em relação ao mundo, uma posição de vida.
Quando ele diz "a verdade é subjetividade", isto é somente enquanto o
sujeito traz tanta paixão junto com seu pensamento que a síntese será um fato
verdadeiro. Aquilo que é incerteza, sustentado com o mais apaixonado empenho,
torna-se verdade, a mais alta verdade existente para alguém. Assim, o que é
subjetivo é verdade, enquanto a coisa objetiva, ao contrário, é incerta.
Então, o que é esta paixão que move o indivíduo?
Paixão
Em "Post-scriptum não científico" o filósofo diz
que a paixão é uma qualidade de lutar para chegar a ser, é o processo de vir a
ser. A paixão é o motivo afirmativo do desenvolvimento, a vontade de se
submeter e portanto de sofrer as mudanças do vir a ser. Essas mudanças são um
sofrimento, são temporárias, e o ideal buscado é imaginado como perfeito e
completo. Mas a pessoa ao buscar realizar os ideais apaixonadamente sustentados
encontra ainda mais acentuada a condição limitada e finita da existência
humana.
Fé e Paradoxos
Uma vez que as verdades essenciais estão fora do nosso
alcance na medida que não podemos delas nos aproximar objetivamente, elas
aparecem para nós sob a forma de paradoxos. O paradoxo é uma tensão entre
afirmações, entre, pelo menos, dois focos. Por exemplo, em termos de paradoxo
religioso, podemos citar a doutrina cristã de ser Jesus inteiramente divino e
inteiramente humano. Ninguém pode entender como tal coisa seja possível. No
entanto, não há aí contradição evidente, de modo que essa afirmação pudesse ser
logicamente falsa. Uma contradição lógica coloca duas premissas opostas
mutuamente excludentes, tal como "Pedro é um homem e não é um homem",
na qual a palavra "homem" tem o mesmo significado nos dois lados do
enunciado.
Qualquer tentativa de solucionar o paradoxo será uma
tentativa, ou de objetivar o que não pode ser conhecido objetivamente, - porque
estamos no processo de "vir a ser" -, ou de dispensar o papel da fé
como tolice o que, novamente, implica que acreditamos poder conhecer alguma
coisa de modo absoluto, como se tratássemos de fora do sistema ( ou do
universo) - como se de uma posição objetiva.
Fenomenologia
Não podemos conhecer de modo absoluto, pois Kierkegaard enfatiza,
como vimos, a verdade subjetiva sobre a verdade objetiva, isto é, o que existe
é, segundo ele, "a verdade que é verdadeira para mim". Quando dizemos
que nosso pensamento corresponde à coisa que pensamos, estamos no mínimo
inconscientes da mediação dos sentidos que é necessária ao conhecimento do
objeto, mediação que é incompleta ou de algum modo prejudicada. Em outras
palavras, quando identificamos o pensamento com o ser a ele correspondente,
estamos nos enganando. Portanto, Kierkegaard conclui
que quando alegamos conhecer uma coisa, só podemos dizer isto como um ato de
fé. Este é precisamente o fundamento da fenomenologia de Husserl para quem nós
só podemos conhecer objetos ideais, não as coisas em si. Então, o sistema
lógico de Hegel torna-se impossível.
Existencialismo
Ao pensador objetivo, Kierkegaard opõe
o indivíduo único, subjetivo. A verdade repousa na subjetividade, e, assim como
a verdade, a verdadeira existência é alcançada por meio da intensidade dos
sentimentos. Sem paixão não há movimento para o pensador. Existir, em contraste
com simplesmente ser, envolve um relacionamento infinito consigo mesmo e uma
ligação apaixonada com a vida. Nós não encontramos a verdade por via de uma
"objetividade" destacada mas através de um profundo engajamento com o
mundo. Assim, por simplesmente aprender as coisas "objetivamente",
nos esquecemos o que é existir. O indivíduo realmente existente (a) está em uma
relação infinita consigo mesmo e tem um interesse infinito em si e no seu
destino; (b) Sempre sente a si mesmo em um "vir a ser", com uma
tarefa diante de si; e (3) Está apaixonado, inspirado com um pensamento
apaixonado. Ele chama a isto "paixão de liberdade". Com este
pensamento Kierkegaardabre as portas do Existencialismo.
Liberdade
Soren Aabye Kierkegaard é
considerado o pai do existencialismo. Ele lançou as bases do movimento
existencialista, embora o termo "existencialismo" não estivesse então em
uso. Em "O Conceito de Angústia" (1844). Fala do pecado enquanto
supõe o livre-arbítrio (a angústia de que trata é a da livre escolha entre as
possibilidades, que se tornou a idéia básica do futuro movimento.
Se a verdade é subjetiva, decorre daí uma liberdade
ilimitada. Kierkegaard não só rejeitou o determinismo
lógico de Hegel (tudo está logicamente predeterminado para acontecer) como
também sustentou a importância suprema do indivíduo e das suas escolhas lógicas
ou ilógicas. Qualquer forma de absoluto (E aí está um ataque a Hegel) que não
seja a liberdade, será necessariamente restritiva da liberdade. Qualquer forma
de absoluto que não seja a liberdade, contraria a liberdade. Para Kierkegaard é
mesmo impossível que a liberdade possa ser provada filosoficamente, porque
qualquer prova implicaria uma necessidade lógica, o que é o oposto de
liberdade.
O pensamento fundamental de Kierkegaard,
e que veio a se constituir em linha mestra do Existencialismo, é a falta de um
projeto básico para a existência do homem, venha de onde vier. Qualquer projeto
para o homem representaria uma limitação à sua liberdade, e afirma que esta
liberdade é, portanto, incompatível com a malha lógica em que, segundo Hegel,
caem todos os fatos e também as ações humanas e, mais ainda, que a liberdade
gera no homem profunda insegurança, medo e angústia. Não existe uma essência
definidora do homem; nenhum projeto básico. Esse pensamento de Kierkegaard foi
mais tarde traduzido por Sartre na frase "no homem, a existência precede a
essência".
Sua crença na necessidade de que cada indivíduo faça uma
escolha consciente e responsável tornou-se outro pilar do movimento
existencialista.
O individualismo existencialista é sua ênfase principal. Com
efeito, dos temas do existencialismo contemporâneo, a maior parte já está nos
escritos de Kierkegaard.
Angústia
Kierkegaard sentiu a necessidade de ampliar
para a esfera da psicologia suas idéias a respeito da filosofia da liberdade. O
resultado foi o conceito de angústia e o conceito de desespero, se podemos
realmente diferenciá-los em sua obra, pois aparentemente, nas traduções
inglesas, acham-se baralhados.
Em "O conceito de angústia", disse que a liberdade
gera no homem profunda insegurança, medo e angústia. Ele focaliza a angústia,
como medo do indefinido do desconhecido, diferente do medo e do terror diante
do perigo conhecido, o medo e terror que deriva de uma ameaça objetiva (por
exemplo, um animal, um assaltante, etc.). Esta é talvez a primeira obra escrita
de psicologia existencial, - descobre um sentimento que não tem objeto
definido, claro.
A liberdade presume possibilidades, e as possibilidades
criam a angústia, seja porque estão escassas, ou, no outro extremo, porque
existe um número muito grande de opções. Um colapso pode ocorrer tanto por
muitas quanto por poucas possibilidades abertas ao indivíduo. Por isso torna-se
um verdadeiro problema de vida descobrir quais são os verdadeiros dons e
talentos de uma pessoa.
Em "Risco e incerteza" diz que cada decisão é um
risco. A pessoa sente a si mesma rodeada e plena de incertezas. No entanto, ela
decide. Existem possibilidades reais, - reconhece -, e qualquer filosofia que
as negue é opressiva, sufocante.
A angustia e o pavor diante da liberdade em relação às
possibilidades, o que ele considera uma doença do espírito, têm três origens:
- Uma
é a materialidade, a inconsciência de que se é tanto um ser espiritual
quanto físico. Falta de espiritualidade: Estar inconsciente de que se tem
um Eu - de que se é um ser espiritual e não meramente um ser físico ou
físico-mental. Falhar em compreender que se é capaz de reflexão, que se é
uma síntese.
- Outra
origem é a consciência do Eu interior, quando o homem tem consciência do
seu Eu, mas não o aceita, e desespera-se por ser esse Eu, por ser de um
certo modo, sem conseguir modificar-se. Gostaria de ser César, por
exemplo.. O Eu quer escapar do Eu que ele sabe que é. Parece que o
indivíduo se desespera com respeito a alguma coisa. Mas é apenas
aparência. Na verdade desespera com respeito a si mesmo e por isso quer se
livrar de si próprio. Quanto tem um slogam ambicioso "Ou César ou
nada" e não consegue chegar a ser César, ele se desespera por isso.
Mas isto também significa outra coisa: precisamente porque ele não
conseguiu ser César, ele agora não consegue tolerar a si mesmo, ser ele
mesmo. Consequentemente ele não se desespera porque não chegou a ser César
mas se desespera sobre si mesmo pelo fato de não haver conseguido ser
César. Consequentemente, desesperar-se sobre alguma coisa não é
propriamente o desespero: este é desesperar-se de si mesmo porque não
chegou a ser César. Desesperar alguém sobre si mesmo, em desespero de
desejar livrar-se alguém de si mesmo - esta é a formula de todo desespero.
- A
terceira origem é o desespero do desafio, da provocação, da rebeldia, da
oposição: consciente do eu interior e desejando afirmar esse Eu, o homem
se desespera pelas suas limitações. Não reconhece a relatividade e a
dependência última do Eu humano perante Deus.
Encapsulamento ou má fé
Passar da ignorância confortável para a autoconsciência leva
ao pavor, ou ansiedade. Perguntando que estilo e estratégia uma pessoa usa para
evitar a ansiedade,Kierkegaard pergunta como essa pessoa
está escravizada por suas mentiras sobre ela mesma e para ela mesma. Uma forma
de fuga é ignorar o próprio eu, tornar-se um autômato, apegar-se a um papel.
O caráter é uma estrutura construída para evitar a percepção
do terror da perdição e da aniquilação que todos nós enfrentamos.
Em "A doença para a morte", Kierkegaard nos
lembra que nossa maior dificuldade não é porque temos um Eu e não ficamos leais
a ele, mas que freqüentemente nós nem ao menos achamos em nos mesmos um Eu
autêntico que mereça tal lealdade. Podemos perder o Eu e voltá-lo para
atividades exteriores como uma camuflagem de seu vazio interior.
Freud, um grande leitor de Nietzsche, que por sua vez
apoiou-se em Kierkegaard, com certeza tirou desse pensamento
de Kierkegaard o que veio a rotular, na psicanálise, de
"mecanismo de defesa" e "repressão".
O homem automaticamente "cultural" está confinado
pela cultura e é escravo dela, seduzido na trivialidade pela rotina confortável
da vida social e das alternativas limitadas e seguridade opaca que ela lhe
oferece. Tal pessoa ele chama filisteu. O filisteu teme a verdadeira liberdade,
porque ela coloca em perigo a estrutura de negação que cerca sua rotina
cultural, abrindo as possibilidades das quais ele quer distância.
É o que freqüentemente caracteriza o filisteu burguês -
membro da confortável classe média urbana, mais provavelmente do mundo dos
negócios. Filisteus burgueses operam dentro de fronteiras de esperteza com a
qual eles tentam acomodar "o possível". Cálculo, auto-proteção, onde
métodos do tipo comercial são presumivelmente transferidos para a vida do
espírito, com resultados fatais previsíveis. A pessoa materialista ignora que
tem um Eu eterno.
Criança
Tem raízes também no pensamento de Kierkegaard o
postulado da psicanálise existencial de que as mentiras do caráter são
construídas pela a criança para ajustar-se a seus pais, ao seu mundo, além de
aos seus próprios dilemas existenciais. Essas defesas do caráter tornam-se
automáticas e inconscientes. Essas mentiras negam nossas possibilidades.
Conduzem as pessoas a ter medo de pensar por si mesmas. Deixar a criança
explorar o mundo e desenvolver seus próprios poderes dará a elas uma
"sustentação interna", uma autoconfiança diante da experiência.
Maturidade
Saúde mental não é "ajustamento normal" ou
"normalidade cultural". A pessoa realmente saudável é aquela que
transcendeu a si mesma despindo-se das mentiras do nosso caráter, entendendo a
verdade de nossa situação e quebrando nosso espírito fora de sua prisão
condicionada. O amadurecimento requer ambos o reconhecimento da realidade de
alguém, de seus verdadeiros dons e talentos e dos seus limites.
Angústia e pecado
O homem pode escapar da angústia pela fé. Kierkegaard insiste
que o homem está em pecado e não pode compreender o bem porque não quer
compreender, e precisa da revelação de Deus para mostrar que ele se acha em
pecado. A ansiedade não é em si mesma um pecado, diz ele, pois é a reação
natural da alma quando em face ao escancarado abismo da liberdade.
Em "A doença para a morte" diz que, experimentando
o pavor, alguém salta para o pecado mas, se o desafio do cristianismo é aceito,
passa da culpa à fé. Assim o pavor é o prelúdio do pecado e não sua
conseqüência, como poderia a princípio parecer.
O homem pode escolher o pecado em sua fuga da angústia, e o
pecado a certa altura, trará mais angústia. O próprio pecado traz ansiedade, um
componente da ansiedade de liberdade.
Sem a fé, a angústia leva ao desespero. O pavor é a
ansiedade em face do eterno. Esta ansiedade pode levar o pecador de volta a
Deus que o criou e lhe deu a liberdade, e assim a ansiedade pode ser salvadora
pela fé. A angústia foi, então, o caminho para a fé.
Ética
Individualismo moral
Kierkegaard aborda uma questão ética
polêmica, ao indagar se um julgamento moral pode ser suspenso em virtude de um
poder maior. Ele exemplifica com o episódio em que Abraão recebe de
Deus a ordem de matar Isaac. Assim ele vê o sacrifício de Abraão e Isaac:
obediência a um dever, no caso a obediência a uma ordem de Deus que é a
essência de tudo que é ético, mas que exigia dele um ato não ético. Kierkegaardbuscava
justificar-se por haver rompido seu noivado, o que ele considerava um ato não
ético, porém o fez por um motivo que considerava eticamente superior, sua
dedicação a Deus. Dos três modos de vida que ele considerava possíveis, o modo
de vida estético, o modo de vida ético e o modo de vida religioso, este último
era superior aos demais.
Modos
No caminho da vida há várias direções, embora se coloquem em
três categorias de escolha. Assim é que distingue três tipos de vida a
escolher, três escolhas fundamentais do homem: a estética, a ética e a
religiosa que não são três concepções teóricas do mundo, mas sim, três maneiras
de viver. Inicialmente Kierkegaard apresenta apenas
dois modos de vida, ou estágios, se tomados como etapas transientes.
Modo de vida estético
O esteticista vive no instante e não conhece outro fim da
vida senão gozar o instante que passa. Infiel, quer sempre provar novidades,
foge permanentemente ao tédio, recusa engajar-se, são os Don Juans ou o
intelectual cético e diletante.
Modo ético
No modo de vida ético o homem encarna as regras universais
do dever. Trabalhador consciencioso, marido e pai devotado, leva tudo a sério,
é pouco flexível, prisioneiro de idéias acabadas, e se crê cidadão exemplar.
Modo religioso
No modo de vida religioso o homem não está submetido a
regras gerais mas é um indivíduo diante de Deus. Sua relação com Deus não se
traduz em conceitos e regras gerais, mas em inspiração fora do universo da
razão. Abraão está pronto para sacrificar seu filho Isaac porque Deus o ordena,
mas esta ordem não é justificada por nenhuma finalidade ética.
Guilherme SM - Soren Aabye Kierkegaard - in. Link Origins, Internet, disponível em http://linkorigins.blogspot.com.br, revisto em 2014
Estas páginas são, predominantemente, resumos do artigo
Soren Aabye Kierkegaard, in. Filosofia Moderna - Rubem Queiroz Cobra
Cobra, Rubem Q. - Kierkegaard. Filosofia Contemporânea,
Cobra Pages - www.cobra.pages.nom.br, Internet, 2001.
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