quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Sêneca

Filósofo e pensador grego 



Não foi a lógica dos estóicos gregos, nem mesmo sua teoria do mundo físico que, sobretudo, atraiu o interesse dos estóicos romanos. Foi antes sua moral da resignação, principalmente nos aspectos religiosos que ela permitia desenvolver.

O primeiro representante do estoicismo romano, sem contar as idéias estóicas que se encontram no ecletismo de Cícero, foi Lucius Annaeus Seneca, nascido em Córdoba (Espanha), aproximadamente quatro anos antes da era cristã. Era filho de Annaeus Seneca (55 a.C.-,39 a.D.) - conhecido como Sêneca, o Velho -, que teve renome como retórico e do qual restou uma obra escrita (Declamações). O futuro filósofo Sêneca foi educado em Roma, onde estudou a retórica ligada à filosofia. Em pouco tempo tornou-se famoso como advogado e ascendeu politicamente, passando a ser membro do senado romano e depois nomeado questor.

O triunfo político, no entanto, não se fazia sem conflitos e o renome de Sêneca suscitou a inveja do imperador Calígula, o qual pretendeu desfazer-se dele pelo assassinato. Sêneca, contudo, foi salvo por sua frágil saúde; julgava-se que ele morreria muito cedo, de morte natural. O próprio Calígula foi quem faleceu logo depois e Sêneca pôde continuar vivendo em relativa tranqüilidade.

Não duraria esse período muito tempo. Em 41 dC foi desterrado para a Córsega, sob acusação de adultério, supostamente praticado com Júlia Livila, sobrinha do novo imperador Cláudio César Germânico. Na Córsega, Sêneca passaria quase dez anos em grande privação material.

Em 49 d.C., Messalina, primeira esposa do imperador Cláudio e responsável pelo exílio de Sêneca, caiu em desgraça e foi condenada à morte. O imperador Cláudio casou-se com Agripina e esta mandou chamar Sêneca para educar seu filho Nero. Em 54 d.C., quando Nero se torna imperador, Sêneca passa a ser seu principal conselbeiro. Esse período estende-se até 62 d.C., ano em que sua estrela começa a perder o brilho junto ao despótico soberano. Sêneca deixa a vida pública e sofre a perseguição de Nero, que acaba por condená-lo ao suicídio, em 65 d.C.

As Cartas Morais de Sêneca, escritas entre os anos 63 e 65 e dirigidas a Lucílio, misturam elementos epicuristas com idéias estóicas e contêm observações pessoais, reflexões sobre a literatura e crítica satírica dos vícios comuns na época. Entre os seus doze Ensaios Morais, destacam-se Sobre a Clemência, cautelosa advertência a Nero sobre os perigos da tirania, Da Brevidade da Vida, análise das frivolidades nas sociedades corruptas, e Sobre a Tranqüilidade da Alma, que tem como assunto 0 problema da participação na vida pública. As Questões Naturais expõem a física estóica enquanto vinculada aos problemas éticos. Além dessas obras propriamente filosóficas, Sêneca escreveu ainda nove tragédias e uma obra-prima da sátira latina, Apolokocintosis, que ridiculariza Nero e suas pretensões à divindade.

Todas essas obras revelam que Sêneca foi, sobretudo, um moralista. A filosofia é para ele uma arte da ação humana, uma medicina dos males da alma e uma pedagogia que forma os homens para o exercício da virtude. O centro da reflexão filosófica deve ser, portanto, a ética: e a física e a lógica devem ser consideradas como seus prelúdios.

Sua concepção do mundo repete as idéias dos estóicos gregos sobre a estrutura puramente material da natureza. Contudo, a razão universal dos gregos Cleanto e Zenão transforma-se em Sêneca num deus pessoal, que é sabedoria, previsão e vigilância, sempre em ação para governar o mundo e realizar uma ordem maravilhosa.

SÊNECA A SERENO (cartas)
Eis que faz muito tempo, por Hércules, que eu me pergunto a mim mesmo sem nada dizer, ó Sereno, com o que poderia comparar uma semelhante disposição de espírito; e o que me parecia assemelhar-lhe mais é o estado daquelas pessoas que convalescem de uma longa e grave enfermidade, e sentem ainda de tempos em tempos alguns calafrios e leves indisposições; e que, uma vez livres dos últimos traços de seu mal, continuam a se inquietar com perturbações imaginárias, a se fazer, ainda que restabelecidas, tomar o pulso pelo médico e consideram como febre a menor impressão de calor. Sua saúde, ó Sereno, não deixa nada mais a desejar, mas aquelas pessoas não estão habituadas novamente à saúde: assim, ainda se vê estremecer e agitar-se a superfície de um mar calmo, quando a tempestade acabou de se aplacar.

Assim também os procedimentos enérgicos nos quais encontramos auxílio anteriormente não são mais próprios: tu não precisas mais nem lutar contra ti nem te censurar nem te atormentar. Estamos na etapa final: tem fé em ti mesmo e convence-te de que segues o bom caminho, sem te deixares desviar pelas inúmeras pegadas dos viajantes extraviados à direita ou à esquerda e dos quais alguns se desgarram nas proximidades da estrada.

O objeto de tuas aspirações é, aliás, uma grande e nobre coisa, e bem próxima de ser divina, pois que é a ausência da inquietação. Os gregos chamam este equilíbrio da alma de "euthymia" e existe sobre este assunto uma muito bela obra de Demócrito. Eu o chamo "tranqüilidade", pois é inútil pedir palavras emprestadas para nosso vocabulário e imitar a forma destas mesmas: é a idéia que se deve exprimir, por meio de um termo que tenha a significação da palavra grega, sem no entanto reproduzir a forma.

Vamos, pois, procurar como é possível à alma caminhar numa conduta sempre igual e firme, sorrindo para si mesma e comprazendo-se com seu próprio espetáculo e prolongando indefinidamente esta agradável sensação, sem se afastar jamais de sua calma, sem se exaltar, nem se deprimir. Isto será tranqüilidade. Procuremos, de um modo geral, como alcançá-la: tu tomarás, como entenderes, tua parte do remédio universal.

Mas ponhamos desde logo o mal em evidência, em toda a sua diversidade: cada qual nele reconhecerá o que lhe diz respeito. Ao mesmo tempo, dar-te-ás conta de tudo quanto tens menos a sofrer deste descontentamento de ti, do que aqueles que, estando ligados por uma profissão de fé faustosa e ornando, com nome pomposo, a miséria que os consome, teimam no papel que escolheram por questão de honra, mais que por convicção.

Para todos esses doentes o caso é o mesmo: tanto tratando-se daqueles que se atormentam por uma inconstância de humor, seus desgostos, sua perpétua versatilidade e sempre amam somente aquilo que abandonaram, como aqueles que só sabem suspirar e bocejar. Acrescenta-lhes aqueles que se viram e reviram como as pessoas que não conseguem dormir, e experimentam sucessivamente todas as posições até que a fadiga as faça encontrar o repouso. Depois de terem modificado cem vezes o plano de sua existência, eles acabam por ficar na posição onde os surpreende não a impaciência da variação mas a velhice, cuja indolência rejeita as inovações. Ajunta ainda, aqueles que não mudam nunca, não por obstinação, mas por preguiça, e que vivem não como desejam, mas como sempre viveram.

Há, enfim, inúmeras variedades do mal, mas todas conduzem ao mesma resultado: o descontentamento de si mesmo. Mal-estar que tem por origem uma falta de equilíbrio da alma e das aspirações tímidas ou infelizes, que não se atrevem a tanto quanto desejam, ou que se tenta em vão realizar e pelas quais nos cansamos de esperar. É uma inconstância, uma agitação perpétua, inevitável, que nasce dos caracteres irresolutos. Eles procuram por todos os meios atingir o objeto de seus votos: preparam-se e constrangem-se a práticas indignas e penosas. E, quando seu esforço não é recompensado, sofrem não de ter querido o mal, mas de o ter querido sem sucesso.

Desde então, ei-los presos, ao mesmo tempo, do arrependimento de sua conduta passada e do temor de nela recair, e pouco a pouco se entregam à agitação estéril de uma alma que não encontra para suas dificuldades nenhuma saída, porque ela não é capaz nem de mandar nem de obedecer às suas paixões; entregam-se à aflição de uma vida que não chega a ter expansão e, enfim, a esta indiferença de uma alma paralisada no meio da ruína de seus desejos.

Tudo isto se agrava quando, superada uma tão odiosa angústia, nos refugiamos no ócio e nos estudos solitários, nos quais não se saberá resignar uma alma apaixonada da vida pública, e paciente de atividade, dotada de uma necessidade natural de movimento e que não encontra em si mesma quase nenhum consolo. De sorte que, uma vez atraídos pelas distrações que as pessoas atarefadas devem mesmo às suas ocupações, não mais suportamos nossa casa, nosso isolamento e as paredes de nosso quarto; e nos vemos com amargura abandonados a nós mesmos.

Daí este aborrecimento, este desgosto de si, este redemoinho de uma alma que não se fixa em nada, esta sombria impaciência que nos causa nossa própria inércia, principalmente quando coramos ao confessar as razões, e o respeito humano recalca em nós nossa angústia: estreitamente encerradas numa prisão sem saída, nossas paixões aí se asfixiam. Daí a melancolia, a languidez e as mil hesitações de uma alma indecisa, que a semi-realização de suas esperanças prolonga na ansiedade e seu malogro na desolação; daí esta disposição para amaldiçoar seu próprio repouso, para lamentar-se por não ter nada a fazer e para invejar furiosamente todos os sucessos do próximo (pois nada alimenta a inveja como a preguiça, e se desejaria ver todo o mundo malograr, porque não se soube obter êxito).

Depois deste despeito pelos sucessos dos outros e deste desespero de não ser bem sucedido, começa o homem a se irritar contra a sorte, a se queixar do século, a se recolher cada vez mais em seu canto e aí se abriga sua dor no desânimo e no aborrecimento. A alma humana é, com efeito ou instinto, ativa e inclinada ao movimento. Toda ocasião para se despertar e para se afastar lhe é agradável. Certas feridas provocam a mão que as irritará e se fazem raspar com prazer: o sarnento deseja o que irrita sua sarna. Pode-se dizer o mesmo destas almas, em que as paixões, tanto como as úlceras malignas, consideram um prazer atormentar-se e sofrer.

Não existem igualmente prazeres corporais que se reforçam com uma sensação dolorosa, como quando uma pessoa se vira sobre o lado que ainda não está fatigado e se agita sem cessar procurando uma posição melhor? Deitamos ora de bruços ora de costas, experimentando sucessivamente todas as posições possíveis. E não é isso o natural da doença, nada suportar por muito tempo e tomar a mudança por um remédio?

Dai aquelas viagens que se empreendem sem nenhum intuito, aquelas voltas a esmo ao longo das costas, e esta inconstância sempre inimiga da situação presente que alternativamente experimenta o mar e a terra: "Depressa, vamos a Calábria". Logo se está cansado das doçuras da civilização. "Visitemos as regiões selvagens, exploremos o Brútio (Calábria) e as florestas da Lucânia." Todavia, nestas solidões, suspira-se por qualquer coisa que dê descanso aos olhos fatigados pelo rude aspecto de tantos lugares áridos. "A caminho de Tarento, com seu porto e seu inverno tão doce, e para esta opulenta região que seria capaz de sustentar sua população de outrora! Mas não, retornemos a Roma: faz muito tempo que meus ouvidos estão privados dos aplausos e do barulho do circo e tenho desejo de agora ver correr sangue humano."

Assim como as viagens se sucedem, um espetáculo substitui o outro, e como diz Lucrécio: "Assim cada um foge sempre de si mesmo". Mas para que fugir se não nos podemos evitar? Seguimo-nos sempre, sem nos desembaraçarmos desta intolerável companhia.

Assim, convençamo-nos bem de que o mal do qual sofremos não vem dos lugares, mas de nós mesmos, que não temos força para nada suportar: trabalho, prazer, nós mesmos; qualquer coisa do mundo nos parece uma carga. Isto conduziu muitas pessoas ao suicídio: porque suas perpétuas variações as faziam dar voltas, indefinidamente, no mesmo círculo, e elas consideravam impossível toda novidade. Assim tomaram desgosto pela vida e pelo mundo e sentiram aumentar em si o clamor furioso dos corações: "Mas como, sempre a mesma coisa?"

DOUTRINA PESSOAL DE SÊNECA
Se não me engano, Cúrio Dentato dizia que ele preferia estar morto a viver morto: o pior dos males não é suprimir-se dos vivos, antes de morrer? Mas façamos assim: se pertencemos a um tempo no qual a vida política é difícil de ser praticada, tornemos mais ampla a parte do ócio e do estudo: como o marinheiro nas travessias perigosas, multipliquemos as escalas; e, sem esperar que os afazeres nos abandonem, desprendemo-nos deles espontaneamente.

Devemos examinar se nossas disposições naturais nos tornam mais aptos a ação ou aos trabalhos sedentários e à contemplação pura; e inclinar-nos do lado para o qual nosso gênio nos conduz. Sócrates arrancou com viva força Éforo do fórum, quando se convenceu de que este era mais indicado para escrever história. Jamais um talento que se força produz o que se esperava: e forçar a natureza é sempre inútil.

Em seguida, devemos avaliar nossas próprias empresas e colocar na balança nossas forças e nossos projetos. Com efeito, devemos sentir-nos sempre superiores à tarefa que realizamos: um fardo desproporcionado só pode esmagar quem o carrega. De outro lado, há ocupações que, sem terem muita importância, estão cheias de mil complicações: deve-se evitá-las por causa dos apuros sem fim, aos quais elas darão origem. Não nos aventuremos jamais a um negócio em que poderíamos correr o risco de ficar sem saída: aceitemos aqueles nos quais estamos seguros, ou que pelo menos temos esperanças de terminar: deixemos aqueles trabalhos que se complicam quanto mais se trabalha neles e que não podem ser interrompidos quando se quer.

Deve-se finalmente escolher com cuidado os homens: ver se eles merecem que lhes consagremos uma parte de nossa existência e se são gratos ao sacrifício de tempo que lhes fazemos; pois há os que chegam a considerar os serviços que lhes prestamos como um benefício para nós mesmos.

OS ESTÓICOS
Depois de Cícero ter iniciado a história da filosofia em língua latina, formulando sua síntese eclética, o movimento de idéias mais importante dentro do pensamento romano foi o desenvolvimento das doutrinas estóicas, também originárias da Grécia, como o epicurismo e o ecletismo. A escola estóica foi fundada por Zenão de Cício (336-264 aC).

O estoicismo grego propõe uma imagem do universo segundo a qual tudo o que é corpóreo é semelhante a um ser vivo, no qual existiria um sopro viral (pneuma), cuja tensão explicaria a junção e interdependência das partes. No seu conjunto, o universo seria igualmente um corpo vivo provido de um sopro ígneo (sua alma), que reteria as partes e garantiria a coesão do todo. Essa alma é identificada por Zenão como sendo a razão e, assim sendo, o mundo seria inteiramente racional. A Razão Universal ou Logos, penetra em tudo e comanda tudo, tendendo a eliminar todo tipo de irracionalidade, tanto na natureza, quanto na conduta humana, não havendo lugar no universo para o acaso ou a desordem.

A racionalidade do processo cósmico se manifesta na idéia de ciclo, que os estóicos adotam e defendem com rigor. Herdeiros do pensamento de Heráclito de Éfeso (séc. VI aC), os estóicos concebem a história do mundo como sendo feita por uma sucessão periódica de fases, culminando na absorção de todas as coisas pelo Logos, que é Fogo e Zeus. Completado um ciclo, começa tudo de novo: após a conflagração universal, o eterno retorno.

Tudo o que existe é corpóreo e a própria razão identifica-se com algo material, o fogo. O incorpóreo reduz-se a meios inativos e impassíveis, como o espaço e o vazio; ou então àquilo que se pode pensar sobre as coisas, a idéia, mas não às próprias coisas.
Nesse universo corpóreo e dirigido pelo fatalismo dos ciclos sempre idênticos, tudo existe e acontece segundo predeterminação rigorosa, porque racional. Governada pelo Logos, a natureza é por isso justa e divina e os estóicos identificam a virtude moral com o acordo profundo do homem consigo mesmo e, através disso, com a própria natureza, a qual é intrinsecamente razão. Esse acordo consigo mesmo é o que Zenão chama "prudência" e dela decorrem todas as demais virtudes, como simples aspectos ou modalidades.
As paixões são consideradas pelos estóicos como desobediências à razão e podem ser explicadas como resultantes de causas externas às raízes do próprio indivíduo; seriam, como já haviam mostrado os cínicos, devidas a hábitos de pensar adquiridos pela influência do meio e da educação. É necessário ao homem desfazer-se de tudo isso e seguir a natureza, ou seja, seguir a Deus e à razão Universal, aceitando o destino e conservando a serenidade em qualquer circunstância, mesmo na dor e na adversidade.

Guilherme SM - Sêneca, in. Link Origins, Internet, disponível em http://linkorigins.blogspot.com.br, revisto em 2014


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