sexta-feira, 3 de junho de 2016

O fim do limite humano

“O fim da necessidade de perda, de proibição e de limite deslegitima todos que têm a tarefa de prescrever a necessidade da subtração do gozo para poder crescer. Isso deslegitima o pai, que então se pergunta por que deve dizer não. Deslegitima o professor, que se sente mal quando deve avaliar negativamente o trabalho de um aluno. E isso, através do processo da educação, da maneira como os pais lidam com a criança, se sentem incompetentes para poderem intervir.”

Jean-Pierre Lebrun , diretor da Associação Freudiana da Bélgica e um dos fundadores da Associação Lacaniana Internacional fala sobre aquela que considera a causa da mutação do vínculo social contemporâneo: o fim da necessidade de aprender a perder, a renunciar, a entrar em conflito com o outro. O fim do limite.

Uma coisa que até então pouco se via: nos primeiros dias em que os pais vão levar seu filho à escola, observa-se cada vez mais que não são as crianças que choram, como antes, mas sim os pais. Esses pequenos sinais parecem nos dizer que alguma coisa se passa. E podemos, é claro, nos perguntar do que se trata. Na realidade, também os governos estão se perguntando do que se trata e de que maneira ajudar o que eles chamam de parentalidade.

A palavra parentalidade vem substituir outras mais habitualmente utilizadas, como paternidade ou maternidade. E, como podem perceber, no termo parentalidade não se sabe muito bem quem é o pai e quem é a mãe. Haveria uma função parental assexuada que estaria em jogo. Pode parecer um pouco banal, pode parecer insignificante.

Mas, se refletirmos um pouco, podemos nos perguntar: como se explica que uma coisa que durante séculos se transmitiu de geração a geração sem nunca precisar de estudo ou de escola para ser transmitida – ou seja, que para ser pai era preciso de vez em quando dizer não aos filhos –, como se explica que, de repente, tenhamos de inventar algo para o que parece ter se rompido?

  

Hoje, há cada vez mais a ideia de que esse lugar de poder, de exceção, diferente dos outros lugares – que era o de Deus, do rei, do chefe, do mestre – é um lugar que não tem mais necessidade de existir. Esse lugar não tem mais importância, não tem mais necessidade de ser. Está caduco, de certo modo. Todos os lugares dão agora impressão de se equivaler pelo simples fato de que um lugar diferente dos outros não é mais reconhecido como natural. Agora somos autônomos.

Hoje, o objeto de consumo que nos é proposto cada vez mais rapidamente quer nos dar a ilusão, nos fazer pensar que justamente não se deve mais consentir nessa perda de limite, de gozo. Pelo contrário, diz que hoje devemos aproveitar o que se apresenta. Portanto, deveríamos banir de nosso trajeto a necessidade da perda. E eis aí algo que faz virar a cabeça de todo o mundo. É algo que nos atormenta profundamente e que me parece ser a mutação do vínculo social que enfrentamos hoje com uma série de consequências.

Se há ruptura quanto à necessidade da perda, então a noção de proibição se revela também completamente caduca. Por que proibir? Para que servem as proibições? Não há mais razão de proibir. Nada de proibição. E é o que constatamos hoje. Nada de regulação necessária.

O fim da necessidade de perda, de proibição e de limite deslegitima todos que têm a tarefa de prescrever a necessidade da subtração do gozo para poder crescer. Isso deslegitima o pai, que então se pergunta por que deve dizer não. Deslegitima o professor, que se sente mal quando deve avaliar negativamente o trabalho de um aluno. E isso, através do processo da educação, da maneira como os pais lidam com a criança, se sentem incompetentes para poderem intervir. Como hoje essa diferença de lugar não é mais reconhecida no discurso social, não temos outra saída senão querer a todo momento evitar o conflito. O que nos organiza hoje é o evitamento do conflito.

Na Bélgica e na França, 60% das crianças têm televisão em seu quarto. Ter uma televisão no quarto, para cada um dos filhos, é um modo extremamente eficaz de evitar o conflito no seio da família, de dia, de noite, para saber qual programa se vai escolher. Assim, cada um pode gozar tranquilo, sozinho.

Deixamos as crianças assim, durante todo esse período dos 2 aos 15 anos. Durante 15 anos, elas são deixadas em seu gozo privado, ou seja, podendo sempre evitar ter de se confrontar com o outro para saber como, afinal, vão deixá-las seguir seu caminho. Notem que isso ocorre justamente durante a infância e a adolescência, um momento em que alguém deveria vir ajudá-las a organizar a regulação de sua pulsão mortífera, destruidora, que surge quando se deparam com o outro.

Onde seria mais necessário um trabalho para aprender a renunciar, nem que seja um pouco, a essa realização mortífera, geralmente a criança se vê hoje entregue a si mesma, abandonada. Literalmente abandonada ao seu universo pessoal. De tal modo que, quando tiver 16, 17, 18 anos, o que acontecerá por ocasião de um desgosto amoroso, um desgosto de estudante ou de profissão? Um desgosto, alerto, que os pais com certeza não poderão evitar.

Portanto, se há uma coisa que os pais devem transmitir a seus filhos, é a como falhar.

Por psicologias do brasil

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