ESCRITO POR BRIAN MERCHANT
15 June 2015 // 09:00 PM CET
15 June 2015 // 09:00 PM CET
Na natureza, existem animais que morrem logo depois de se reproduzir, a exemplo do polvo fêmea. Outros, como o jacaré, parecem não envelhecer. O que esses dois animais têm em comum? Ambos são a prova de que envelhecer não é uma condição inescapável, e sim consequência da evolução de uma espécie em um determinado ambiente. Para os pesquisadores, mostram também que a evolução pode estar forçando os animais, inclusive nós, humanos, a morrer.
Essa ideia fascinante é o tema do novo estudo "A morte programada é favorecida pela seleção natural em sistemas espaciais", conduzida pelos melhores biólogos e especialistas em sistemas complexos dos Estados Unidos. A equipe usa um novo modelo matemático para subverter as ideias tradicionais sobre o processo de envelhecimento. Caso seus resultados sejam comprovados, esse estudo mudará tudo o que sabemos sobre o envelhecimento — e, quem sabe, trará um pouco de esperança para aqueles que sonham em viver por mais tempo.
A controversa teoria está sendo desenvolvida por Yaneer Bar-Yam, presidente do Instituto de Sistemas Complexos da Nova Inglaterra (NECSI), Donald E. Ingber, diretor do Instituto Harvard Wyss de Engenharia Biológica, e Justin Werfel, um pesquisador associado a ambos. O último artigo da equipe foi publicado na revista Physical Review of Letters, em que os autores afirmam que "a base matemática do nosso conceito de evolução é essencialmente falha.”
Hoje a ciência afirma que a evolução beneficia organismos que vivem mais e que estes tem mais chances de sobreviver na natureza. "Na teoria tradicional, a evolução sempre escolhe o indivíduo com maior longevidade, o que resulta no maior período de vida possível, biologicamente falando", disse Bar-Yam em uma entrevista. “Podemos diminuir essa expectativa de vida, mas não podemos aumentá-la.
Mas e se a expectativa de vida dos seres vivos — incluindo humanos — não for determinada pela sua capacidade de adaptação, mas sim pré-determinada pela própria evolução, com base nos recursos disponíveis para uma determinada população e pela necessidade de reprodução? E se a morte não for uma conclusão inevitável, e sim um tipo de medida instituída para garantir que uma geração não esgote todos os recursos e impossibilite a perpetuação da espécie? Essa é, basicamente, a teoria dessa equipe de pesquisadores.
“Se a evolução está decidindo nossa expectativa de vida, isso significa que tudo o que precisamos fazer para aumentá-la é interferir no mecanismo que controla nossa longevidade", disse Bar-Yam. A pesquisa cita uma série de espécies que agem contra seu próprio interesse, uma prova de que a morte é uma ferramenta evolutiva, e não uma condição inerente.
“Envelhecer não é inerente. É genético. A possibilidade de aumentar nossa expectativa de vida de forma dramática é uma conclusão razoável."
“Existe um tipo de polvo que morre logo depois de se reproduzir", ele me diz. "Mas se removermos sua glândula, o polvo continua a viver, o que significa que a morte é desencadeada por seu sistema e não provocada por um colapso inevitável."
“Já os crocodilos", ele continua, “não envelhecem de forma aparente. A expectativa de vida da espécie varia de animal para animal. Os peixes do gênero Sebastes também — alguns vivem por alguns meses, e outros duram centenas de anos." Bar-Yam me mostrou um gráfico sobre as diferentes espécies desse gênero, que mostra que, apesar de todas as semelhanças genéticas, esses peixes possuem diferentes expectativas de vida.
Expectativa de vida dos peixes da família Sebastidae. Cailliet et al, Experimental Gerontology, 36, 739 (2001)
Isso, ele afirma, é mais uma prova de que o envelhecimento não é inerente; é uma característica evolutiva.
E como os pesquisadores chegaram a essa conclusão? Por que o modelo matemático anteriormente utilizado para descrever a evolução havia inspirado uma conclusão tão diferente?
“A teoria evolutiva tradicional trabalha com o pressuposto de que todo organismo compartilha o mesmo ambiente", disse Bar-Yam. “Chamamos essa ideia de estimativa média. Na física, a mesma ideia é chamada de 'teoria do campo médio', e ela basicamente ignora o contexto local. Uma das partes mais importantes de nossa pesquisa foi mostrar que, quando o contexto local é incluso na teoria, temos uma interação entre o organismo e o ambiente. As características de um organismo mudam seu ambiente, o que por sua vez muda o resultado dessa interação."
A parceria Harvard + NECSI utilizou um modelo novo e, segundo eles, mais exato para explicar como os organismos interagem com os recursos locais necessários para sua sobrevivência.
O resultado foi fascinante. "Descobrimos que a heterogeneidade espacial de recursos limitados e estruturas populacional auto-organizadas resultam em uma seleção mais rigorosa de limitação de longevidade", afirma o estudo. Traduzindo: junte recursos limitados com uma competição acirrada em uma determinada região e o resultado será uma expectativa de vida menor. “Em nosso modelo, a mortalidade intrínseca deixa recursos para os descendentes, que muito provavelmente viverão na mesma região, o que aumenta a sobevivência da espécie a longo prazo."
Em outras palavras, isso significa que, quando os recursos são escassos, uma espécie tem chance muito maior de sobreviver caso sua população seja programada para garantir a sobrevivência a longo prazo por meio da redução da longevidade individual. Resumindo, as espécies estão evoluindo para combater a superpopulação e o consumismo.
“Se um organismo prejudica o ambiente, ele não irá necessariamente sofrer as consequências, mas seus filhos sofrerão, e seus descendentes também", explicou Bar-Yam. "Isso explica o funcionamento de todas as organizações sociais."
“Os organismos tendem a explorar todos os recursos possíveis, e isso afeta sua longevidade evolutiva. Se uma espécie viver no mesmo ambiente e se uma expectativa de vida maior aumentar seu número de descendentes, então ela será bem-sucedida. Mas como o ambiente interfere nesse processo, e como uma espécie também afeta o ambiente, se a longevidade dessa espécie aumentasse, sua população esgotaria os recursos naturais, e isso seria muito perigoso."
Essa teoria também inclui humanos, e é aí que as coisas ficam interessantes. Bar-Yam acredita que o modelo demonstra que os humanos poderiam viver muito mais do que eles vivem hoje — afinal, nós herdamos a longevidade de nossos ancestrais, caçadores que lutavam para sobreviver. “Existe um limite inerente à nossa capacidade de regeneração? A resposta é que talvez sim— mas isso não significa que esse seja o fator principal do envelhecimento."
“Envelhecer não é inerente", decretou Bar Yam. "É genético. A possibilidade de aumentar a expectativa de vida de forma dramática é uma conclusão razoável. Na verdade, podemos articular essa ideia da forma contrária: por que não aceitamos isso como verdade? Por que a ciência diz que nossas vidas não podem ser estendidas? E a resposta é que nossa ideia de velhice é baseada em um modelo inválido."
“Se essa é a base que a ciência supostamente utiliza para negar a possibilidade de estender nossa vida", ele acrescenta, "o ideal seria voltar e dizer 'tudo bem, que outras conclusões podemos tirar a partir disso?'"
Bar-Yam já pensou muito sobre esse problema e me disse que ele não apenas acredita que suas descobertas irão expandir a longevidade dos humanos: ele afirma que "é razoável esperar uma expansão assustadora, como um aumento dessa expectativa em 5 ou 10 vezes.”
Crédito: NECSI
“Não existe nenhuma razão para afirmar que nossa expectativa de vida é um limite intransponível", afirma Bar Yam. “Já temos exemplos de mutações que aumentam a expectativa de vida de nemátodos em cinco ou dez vezes, e sabemos que existem animais que não envelhecem de forma aparente." Ele também já pensou muito sobre qual seria o mecanismo que destruiria o envelhecimento, apesar desse não ser o tema de seu artigo.
“Embora essa característica seja genética, não quer dizer que a única forma de mudá-la seja por meio da manipulação genética", disse. “É possível que o uso de vitaminas, drogas e intervenções farmacêuticas sejam o suficiente."
No ano passado, um estudo publicado na revista Science revelou que quando a "proteína do crescimento", a GDF11, é administrada em ratos idosos, eles aparentemente param de envelhecer. Essa pesquisa levou o Michael Byrne, editor da Motherboard americana, a definir a velhice como uma doença. Também existem muitas pesquisas sobre telômeros, estruturas que protegem as extremidades dos cromossomos e que influenciam seu envelhecimento — um estudo de Stanford revelou que manipulação dos telômeros "parou o envelhecimento de células humanas."
Há outra questão essencial: será que a evolução está certa em controlar nossa longevidade? Se ninguém morrer, não estaremos correndo o risco de destruir esse já explorado planeta? Bar-Yam não tem muita certeza. Ele reconhece que a forma com que distribuímos nossos recursos é profundamente defeituosa. Mas ele também salienta que seríamos capazes de produzir comida suficiente para alimentar toda a população mundial, desde que proibíssemos práticas imprudentes como queimar comida para produzir combustíveis.
“Se decidirmos alterar nossa expectativa de vida intencionalmente,certamente teremos a responsabilidade de preservar nossos recursos", diz Bar-Yam. “Mesmo que alguém descubra um botão que aumente nossa expectativa de vida em centenas de anos, ele só funcionaria se resolvêssemos o problema da escassez de recursos naturais. Mas esses obstáculos ainda não são muito claros."
Tradução do Texto: Ananda Pieratti Tradução da imagem: Guilherme Monteiro
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