René Descartes,
filósofo e matemático, nasceu em La Haye, na Touraine, cerca
de 300 quilômetros a sudoeste de Paris, em 31 de março de
1596, e veio a falecer em Estocolmo, Suécia, a 11 de fevereiro de 1650, aos
54 anos. Pertenceu a uma família de posses, dedicada ao comércio, ao direito
e à medicina. O pai, Joachim Descartes, advogado e juiz,
possuía terras e o título de escudeiro, primeiro grau de nobreza, e era
Conselheiro no Parlamento de Rennes, na vizinha província da Bretanha, que
constitui o extremo noroeste da França.
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Descartes, o segundo na família de dois filhos
e uma filha, com um ano de idade perdeu a mãe, Jeanne Brochard, por
complicações do terceiro parto. Descartes foi criado
pela avó e por uma babá à qual ele depois pagou uma pensão até morrer. Seu pai
casou novamente mas não se distanciou. Parte do ano passava em Rennes,
atendendo às sessões parlamentares, parte em sua propriedade Les Cartes em
La Haye, com a família. Chamava o filho ainda criança de seu "pequeno
filósofo", devido à curiosidade demonstrada pela criança, porém. mais
tarde aborreceu-se com ele porque não quis ser advogado, como seria do seu
gosto.
Aos oito anos, em 1604, Descartes foi
matriculado no colégio Real de La Fleche, em Anjou, aberto pelos jesuítas.
Ele foi recomendado ao padre Charlet, um intelectual reconhecido, parente dos Descartes,
e que logo seria o reitor. Descartes, cujas relações
familiares seriam um tanto frouxas, mais tarde a ele se refere como "um
segundo pai".
Descartes estudou em La Fleche por
quase dez anos, até 1614. Foi uma criança e um adolescente frágil, passando a
ter boa saúde só depois dos vinte anos. Na escola, um tanto desinteressado dos
estudos e muito inclinado a "meditar", tinha por desculpa sua saúde
para permanecer na cama até tarde, um hábito que manteve mesmo depois de
adulto, e que só no último ano de sua vida foi obrigado a mudar, modificação
que lhe foi fatal. Apesar das aulas perdidas todas as manhãs, era inteligente o
bastante para acompanhar o curso e concluí-lo sem maiores dificuldades.
As disciplinas eram designadas genericamente por
"filosofia", contendo física, lógica, metafísica e moral; e
"filosofia aplicada", que compreendia medicina e jurisprudência. Também
estudou matemática através dos manuais didáticos do monge Clavius, matemático
jesuíta que algumas décadas antes havia criado o Calendário Gregoriano. Disse
mais tarde que, embora admirasse a disciplina e a educação recebida dos
jesuítasem La Fleche, o ensino propriamente era fútil e desinteressante, sem
fundamentos racionalmente satisfatórios, e que somente na matemática havia
encontrado algum atrativo. Era muito religioso e conservou a fé católica até
morrer.
Decidiu deixar os estudos regulares: não queria a vida de um
erudito e intelectual. Em lugar disso, queria ganhar experiência diretamente em
contacto com o mundo; decidiu viajar e observar. Antes porém, passou um curto
período aparentemente sem ocupação, em Paris e, depois, para atender ao pai, ingressou
num curso de Direito de dois anos na universidade de Poitier onde seu irmão
também se formara. Concluído o curso em 1616, não seguiu a tradição da família.
Em 1618 Descartes foi para a Holanda
e se alistou na escola militar de Breda como oficial não pago do exército de
Maurício de Nassau, príncipe de Orange que naquele momento estava dispondo suas
tropas contra as forças espanholas, as quais tentavam recuperar aquela que fora
a província mais rica da Espanha. Estudou arte de fortificações e a língua
flamenga.
Amizade com BEECKMAN
O serviço militar era uma escolha convencional da parte de Descartes,
uma vez que a pratica da guerra era uma complementação da educação dos
cavalheiros que não seguiam a carreira eclesiástica, além de ser, por
excelência, o campo de aplicação das matemáticas, tanto no aperfeiçoamento das
armas como na construção de fortalezas e edifícios em geral. Não requeria,
e é mesmo dado como improvável, que Descartesparticipasse de
alguma luta real.
A vida de campanha o aborreceu. Havia nas suas próprias
palavras muita ociosidade e dissipação. Ele continuava a observar e fazer notas
e sobretudo a sua fascinação pelas ciências matemáticas ganhou ímpeto por seu
conhecimento casual seguido de amizade com o duque filosofo, doutor e físico
Isaac Beeckman, um professor distinguido pelos seus conhecimentos de mecânica e
matemática e reitor do Colégio Holandês em Dort. Beeckman teria
ficado surpreso com a habilidade e pendores matemáticos do jovem oficial
francês, capaz de resolver sozinho, rapidamente, um complicado quebra-cabeça
matemático.
A amizade deveria continuar por 20 anos com alguns
entreveros. A Beeckman Descartesdedicou o Compendium
musicae, no qual indaga as relações matemáticas que determinam a ressonância, o
tom e a dissonância musical, um tópico evidentemente de acordo com sua
inclinação pitagórica de então. Beeckman o atualizou com respeito a vários
progressos na matemática, incluindo o trabalho do matemático francês Vieta, um
dos pioneiros da álgebra moderna.
Uma parte importante da fama de Descartes vem,
justamente, de ter aplicado a formulação algébrica para problemas geométricos
em lugar de grupos de desenhos geométricos e teoremas separados. O encontro com
Beeckman renovou o entusiasmo deDescartes em prosseguir no
caminho escolhido para seus estudos, despertando-lhe a ambição de encontrar uma
fórmula geral, racional, de conhecimento universal.
Deixando o exército do príncipe de Orange após dois anos na
Holanda, Descartes viajou para a Dinamarca, Polônia e
Alemanha. Em Frankfurt assistiu as festas da coroação do imperador Ferdinando
II. Em abril de 1619 foi juntar-se ao exército bávaro no seu acampamento de
inverno próximo de Ulm, sob as ordens do Conde de Bucquoy.
O duque católico da Baviera, Maximilian, estava se pondo em
campo contra o protestante Frederico V, o eleitor palatino (Palatinado,
Alemanha, fronteira com a França) e rei da Boêmia (atual Tchecoslováquia), nos
primeiros estágios da Guerra dos 30 Anos que haveria de arrasar o Sacro Império
Germânico. Frederico haveria de perder o trono em 1620 após a batalha decisiva em
Monte Branco perto de Praga. Sua filha, a princesa Elizabete, tornou-se mais
tarde, em 1643, uma das amigas e correspondentes mais próximas de Descartes.
Descartes passou o inverno em Neuburg, no
Danúbio Sul. Segundo seu próprio relato, dispunha de um compartimento bem
aquecido, dormia dez horas toda noite, o que muito apreciava, e se ocupava de
seus próprios pensamentos. Disse que teve então uns sonhos os quais, de acordo
com sua interpretação, significavam que ele tinha a missão de reunir todo o
conhecimento humano em uma ciência universal única, toda construída de certezas
racionais (daí ser Descartes um expoente do
Racionalismo).
Certamente ele se referia à física pois, era o sonho comum
dos sábios na época encontrar uma fórmula matemática para o universo (também os
alquimistas buscavam um fórmula milagrosa), e foi uma esperança ainda mais
estimulada pela descoberta da equação da atração universal feita por Newton.
Havia pois, na Física, a possibilidade de reduzir a fórmulas matematicamente
exatas as leis fundamentais da natureza.
Em Descartes era uma aspiração mais
de ordem mística, embora buscasse uma solução racional, muito de acordo com seu
interesse pela filosofia de Pitágoras, com fundamento em números, e pelos
segredos dos Rosacruzes.
Viagens
Vivendo de rendas e perseguindo a realização de seu sonho
profético, viajou por vários países da Europa; deixando a Boêmia seguiu para a
Hungria onde, em 1621, viveu pela última vez a vida militar como oficial do
exército imperial. Vai à Alemanha, Holanda e França (1622-23). É então que
renuncia definitivamente à carreira militar para dedicar-se à investigação
cientifica e filosófica.
Em 1623 voltou à terra natal para vender umas terras que
herdara da mãe em Poitou e uma pequena propriedade de Perron (Era chamado em
família "Monsieur du Perron", devido a essa propriedade). Aplicou o
dinheiro da venda sob a forma de bônus e com os rendimentos resultantes pôde
viver uma vida descompromissada, simples porém sempre confortável. Do outono de 1623
a primavera de 1625, ele vagou pela Itália onde ficou em Veneza, Roma e
Florença por algum tempo, retornando depois à França, onde viveu principalmente
em Paris.
A França à época de Descartes é a
França de Luís XIII e do Cardeal Richelieu. A política de Richelieu gerou
grande progresso para a França, atribuindo privilégios e monopólios aos
negociantes e manufatureiros e ampliou o comércio marítimo. Porém a ciência
oficial continuava estagnada em torno dos comentários dos antigos
(particularmente de Aristóteles), isso porque tal atraso interessava
indiretamente ao absolutismo monárquico.
Discussões com amigos, estudos privados e reflexão eram o
padrão da vida de Descartesem Paris. Realiza, com o
matemático Mydorge, experiências de ótica. Fez novos amigos entre os sábios e
renovou velhos conhecimentos, especialmente com o Padre Marin Mersenne, seu
contemporâneo de La Fleche. Mersenne, um grande erudito, seria depois seu
conselheiro e correspondente de confiança, e quem o manteria informado sobre o
universo cultural europeu por muitos anos no futuro.
Estava em contacto com todos os intelectuais famosos da
Europa e, desta forma, numa posição única para apresentar seus trabalhos a eles
e relatar de volta seus comentários e críticas.
Em novembro de 1627 Descartes participa
de um debate na residência do núncio papal. Após alguém expor uma nova
filosofia, ele fez um aparte em sucinta argumentação, baseada em raciocínio
afim com os métodos de prova matemáticos, confundindo e refutando o postulante.
Sua tese causou viva impressão no cardeal De Bérulle, o fundador da congregação
do Oratório. De Bérulle era o líder da reação católica contra o Calvinismo.
O cardeal exorta-o a se consagrar à reforma da filosofia.
Insistiu que Descartesassumisse o dever de utilizar seus talentos
ao máximo e completasse o desenho que havia alí delineado para sua audiência.
Foi incisivo ao ponto de adverti-lo de que responderia perante Deus se não
utilizasse os dons Dele recebidos. Todos os presentes ficaram profundamente
impressionados: o nome do jovem filósofo começou a ficar conhecido.
O conselho do Cardeal de Bérulle correspondia exatamente aos
sentimentos mais íntimos de Descartes. Dedica-se a escrever,
em 1628, o Studium bonae mentis ("Regras para a Direção do
Espírito"), obra que se perdeu. Então, convencido de que necessitava de
paz e quietude para realizar seu trabalho e que, por outro lado, Paris era
muito agitada, pensou um novo local onde se fixar. As viagens à cata de
experiências haviam terminado: era tempo de por em escrito os resultados de seu
contacto com o mundo e de suas próprias meditações.
Holanda
No outono de 1628, aos 32 anos, ele passou uns poucos meses
no norte da França mas, no balanço das opções, decidiu-se pela Holanda como a
terra que melhor se adaptava à realização de seus planos. Aparentemente nunca
se arrependeu. Na Holanda, desde que cuidasse de sua própria vida e não se
metesse com os calvinistas dominantes, encontrou uma elite que vivia pelos
padrões sociais mais altos da época, um panorama político intenso e aventureiro
e liberdade para escrever. Essa liberdade atraia cientistas e filósofos de toda
a Europa.
Avistou-se com Beeckman em Dordrecht e depois se instalou em
Franeker, no litoral da Friesland; fez prontamente vários amigos,
particularmente Constantyn Huygens, pai do futuro cientista Christian Huygens
(1629-1695). Manteve contacto também com Hortensius e Van Schooten (o velho).
Lá podia gozar períodos de trabalho solitário e ainda manter contacto com
amigos por meio de visitas e correspondência.
Por quatro anos, de 1629 para a frente, Descartes gastou
seu tempo primeiro buscando a consolidação de um método, segundo o qual,
partindo da dúvida absoluta pudesse chegar à mais absoluta certeza. Depois
ateve-se ao estudo de diferentes ciências, as quais, unificadas pelo novo
método, levariam a um esquema universal de conhecimento. Escreveu inicialmente
um tratado não publicado, sobre metodologia chamado "Regras para a Direção
do Espírito" (abreviado geralmente como o Regulae).
Este tratado, incompleto e apenas rascunhado, com repetições
e inconsistências, foi composto por Descartes durante
os meses de inverno de 1629 e no ano seguinte. Possivelmente nunca pretendido
para publicação ele pode ter sido usado por Descartescomo
caderno de notas para futuras referências.
Leva avante sua pesquisa em ciências físicas e matemáticas
trocando informações com amigos, freqüentemente através de cartas,
especialmente com o padre Mersenne e mesmo sozinho, nos diferentes endereços
que teve na Holanda. A pesquisa cobria muitos campos: ótica, a natureza da luz,
as leis da refração e meteorologia (explicação do arco-íris), a natureza e
estrutura dos corpos materiais, o ar a água a terra, matemática especialmente
geometria.
Fez estudos de anatomia e de fisiologia dissecando
diferentes órgãos que obtinha nos açougues locais. Inventou o termo embriogenia
para o que agora é chamado embriologia.
Era ambição de Descartes publicar um
trabalho abrangente que ele intitula o "Mundo" (Le Monde, ou Traité
de la Lumière). Por volta de 1633 ele tinha quase completado o rascunho
quando então soube, por uma carta de Mersenne, que o astrônomo Galileu tinha
sido condenado em Roma pela igreja católica por advogar o sistema de Copérnico.
Beeckman lhe passou um livro de Galileu, no qual ele reconheceu muitas de suas
próprias conclusões, particularmente seu apoio à teoria coperniana do movimento
da terra ao redor do sol.
Apesar de não estar se arriscando a nenhum perigo físico na
Holanda, ele foi suficientemente prudente para não publicar seu trabalho. Nem
sequer mandou o manuscrito para Mersenne. Mas continuou com uma inabalável
convicção a respeito da verdade das conclusões de Galileu.
Descartes foi, no entanto, pressionado
pelos seus amigos para publicar suas idéias. Escreveu um tratado de ciência
expondo um método de se chegar à verdade e decidiu publicá-lo anonimamente.
Nessa obra intitulada Discours de la méthod pour bien conduire sa raison et
chercher la vérité dans les sciences ("Discurso sobre o Método para Bem Conduzir
a Razão a Buscar a Verdade Através da Ciência"), o novo método é exposto
em termos simples e com menos ênfase à matemática, com uma introdução sobre
alguns traços autobiográficos, relatando seu método e doutrina filosófica. Essa
se tornou sua mais famosa obra.
Os três apêndices desta obra foram La Dioptrique, Les
Météores, e La Géométrie. Otratado foi publicado em Leyden em 1637 e Descartes escreveu
para Mersenne dizendo que havia buscado no seu La Dioptrique e no seu
Les Météores mostrar que o seu método era melhor que o vulgar, e no seu La
Géométrie havia demonstrado isso.
A obra descreve o que Descartes considerava
um meio mais satisfatório de adquirir o conhecimento representado pela lógica
aristotélica. Somente a matemática, Descartessente, está certa;
assim tudo deve ser baseado na matemática.
La Dioptrique é um trabalho no sistema ótico e nele
trata da lei da refração. EmboraDescartes não cite
cientistas precedentes para as idéias que apresenta; os fatos apresentados não
são novos. Entretanto sua aproximação através da observação e da experiência
era uma contribuição nova muito importante.
Les Météores é um trabalho de meteorologia e é importante
por ser o primeiro trabalho que tenta colocar o estudo do tempo em bases
científicas; busca uma explicação científica sobre o tempo, e inclui uma
explicação do arco-íris. Entretanto, muitas colocações científicas de Descartes estão
não somente erradas como também poderiam ser evitadas se ele tivesse feito
algumas experiências simples. Por exemplo, Roger Bacon, o monge franciscano
inventor da pólvora estável, já havia demonstrado o erro da crença de que a
água fervida congela mais rapidamente, entretanto Descartes reivindica
ter comprovado, pela experiência, que a água que foi levada ao fogo por algumas
horas se congela mais rapidamente do que de outra maneira e dá a razão: suas
partículas que podem ser mais facilmente dobradas são expulsas durante o
aquecimento, deixando somente aquelas que são rígidos e facilitarão o
congelamento. Após a publicação do Les Météores a obras de Boyle, Hooke e
Halley se encarregaram de contestar e corrigir suas postulações falsas.
O terceiro, La Geometrie, talvez cientifica e
historicamente o mais importante, introduz as famosas "coordenadas
cartesianas", - que teriam sido assim batizadas por G. W. Leibniz, e lança
os fundamentos da moderna geometria analítica usando a notação algébrica para
tratar os problemas geométricos. Obra escrita em francês, o que era pouco
comum, pois tudo era escrito em Latim, a língua comum de todos os trabalhos
eruditos, O "Discurso" visava, evidentemente, ter sua divulgação
circunscrita ao mundo cultural francês.
Segundo ele, o raciocínio silogístico no qual a filosofia
escolástica está baseada pode ser rejeitado como inútil para a descoberta da
verdade. Todo homem que é são tem a habilidade natural de discernir o
verdadeiro do falso, uma luz natural da razão. Somente descobrindo a natureza e
o limite desse poder alguém pode determinar o modo correto de usar essa
habilidade.
Isso implica, em primeiro lugar, a eliminação de qualquer
fator que possa constituir um estorvo, tal como é a opinião preconcebida de
qualquer tipo e, em segundo lugar, a prática estrita de um método ordenado como
é encontrado, por exemplo, nas ciências matemáticas. Assim deve-se começar de
dados auto evidentes que já são sabidos ser claros e verdadeiros e fazer
duplamente seguro e certo que cada passo no processo dedutivo deste dado seja
ele próprio auto evidente.
A despeito da anonimidade do "Discurso", o nome do
autor e suas teorias logo se tornaram conhecidos nos círculos ilustrados da
Europa. Seu dito "Penso, logo existo" tornou-se prontamente popular
entre os franceses, uma gente nacionalmente amante de frases de efeito. Porém,
foram os ensaios científicos das três partes que atrairiam a atenção dos
matemáticos e provocariam muita controvérsia.
Ainda em 1637 Descartes começa a
preparar o "Meditações sobre a filosofia primeira", uma versão pouco
modificada do "Discurso" escrita em latim e dirigida aos filósofos e
teólogos, que vai explorar o êxito da parte filosófica do Discurso. Por isso o
"Meditações" constitui a principal exposição da doutrina filosófica
de Descarte.
A diferença mais notável é da dúvida metodológica que é
levada ainda mais longe para incluir a hipótese de um demônio, maligno e
onipotente, que poderia fazer com que todas as coisas que alguém pensasse
existir fossem apenas ilusão. Consistia de seis meditações:
1. Das coisas de que podemos duvidar,
2. Da Natureza do Espírito Humano,
3. De Deus, que Ele existe;
4. Da verdade e do Erro,
5. Da Essência das coisas materiais,
6. Da existência das coisas materiais e da verdadeira
distinção entre o espírito e o corpo do homem.
O manuscrito final foi enviado ao seu correspondente
Mersenne com o encargo de conseguir a aprovação formal da Sorbone, bem como,
conquistar também as opiniões dos eruditos. Muitos cientistas se opuseram às
idéias de Descartes, inclusive o teólogo Arnauld, o filósofo
inglês Hobbes e o matemático e filósofo francês Gassendi. Mersenne reuniu essas
opiniões críticas e enviou-as a Descartes, o qual rascunhou
respostas irritadas e relutantemente. Finalmente em 1640 o
"Respostas" com as objeções e réplicas foi publicado em Paris.
Entre 1638 a 1640 Descartes vive
na pequena cidade de Santpoort, com sua amante holandesa Helen e sua filha
nascida em 1635 com essa mulher, antes sua empregada doméstica. Para sua grande
mágoa, a criança faleceu em 1640.
Se a publicação das "Meditações" trouxe para Descartes renome
como um famoso filósofo, também o envolveu direta ou indiretamente em amargas
controvérsias de conotações teológicas. Na própria Holanda, o presidente da
Universidade de Utrecht (ao sul de Amsterdã) acusou-o de ateísmo e Descartes foi,
de fato, condenado pelas autoridades locais em 1642 e em 1643. Descartes pediu
o apoio de Huygens e, através dele e do embaixador francês, obteve a proteção
do Príncipe de Orange, o que evitou conseqüências piores.
Em 1644 aparece em Amsterdã o Principia Philosophiae
("Princípios da Filosofia"), um livro em grande parte dedicado à
física, especialmente às leis do movimento e à teoria dos vórtices, o qual ele
ofereceu à princesa Elizabete da Boêmia, com a qual Descartesmantinha
assídua correspondência. Haviam se encontrado em 1643 e uma amizade afetuosa se
desenvolveu entre eles. É de então o início de seu trabalho no futuro
"Tratado das Paixões".
O reboliço causado pelo " Princípios da Filosofia
" foi tão grande que, em 1645, auniversidade de Utrecht criou um
armistício proibindo a publicação de qualquer trabalho a favor ou contra a
doutrina cartesiana. Em Leyden, em 1647, outro ataque incluindo uma acusação de
pelagianismo (a crença de que a vontade é igualmente livre para escolher fazer
o bem ou o mal) produz um decreto semelhante de censura neutra. Na França os
jesuítas, com algumas exceções entre os mais jovens, deram acolhimento frio ao
trabalho do antigo aluno.
"Princípios de Filosofia" foi traduzido do latim para
o francês em 1647, durante uma curta visita de Descartes à
França, Ele esperava que um relato mais formalizado da totalidade do seu
pensamento científico pudesse receber o apoio dos círculos católicos,
especialmente dos jesuítas, porém, sua esperança foi em vão e os jesuítas
inicialmente rejeitaram o cartesianismo. Seu trabalho foi colocado no índex,
lista católica dos livros proibidos. Apesar de tudo recebeu do rei, por
iniciativa do ministro Mazarino, regente na menoridade de Luís XIII, uma pensão
vitalícia em honra de suas descobertas matemáticas, a qual ele não se empenhou
em receber.
Este mais abrangente dos trabalhos de Descartes foi
publicado em quatro partes: As suas doutrinas filosóficas são formalmente
repetidas na primeira parte, "Os princípios do conhecimento humano".
As outras três partes são uma ampla tentativa de dar uma explicação lógica dos
fenômenos naturais em um único sistema de princípios mecânicos, através de todo
o campo da física, da química, e da fisiologia: "Os princípios das coisas
materiais", "Do mundo visível" e "A Terra", como
tentativa de, finalmente, por todo o universo sobre fundamentos matemáticos
reduzindo o seu estudo à Mecânica.
As doutrinas de Princípios de Filosofia foram recebidas com
desconfiança. Mesmo os adeptos de sua filosofia natural, como o metafísico e
teólogo Henry More, encontraram objeções. Certamente More admirava Descartes,
entretanto, entre 1648 e 1649 trocaram um certo número de cartas em que
More fez várias objeções a suas afirmações.Descartes, por
sua vez, não fez nenhuma concessão aos pontos de vista de More em suas
respostas.
Historicamente a importância do Princípios de Filosofia está
na total rejeição de toda noção qualitativa ou espiritual nas explanações
científicas. A determinação expressa de explicar todo fenômeno físico em termos
mecânicos e relacionar esses termos a idéias geométricas e o uso de hipóteses
para ajudar generalizações, abriu caminho para a abordagem moderna da teoria
científica.
Final
Na França, em 1647, Descartes se
encontrou com Pascal e discutiram sobre o vácuo, cuja existência era necessária
ao postulado da influência à distância. Resultou a famosa experiência de
Pascal, provando que o ar exerce pressão sobre todos os objetos. Sua última
visita a Paris, em 1648, permitiu-lhe rever ainda uma vez alguns de seus
famosos contemporâneos, entre eles Gassendi e Hobbes, este exilado em Paris
desde 1640, e, é claro, seu amigo Mersenne, que haveria de morrer em
breve. Montmor ofereceu-lhe uma casa nas proximidades de Paris e uma
pensão valiosa que ele recusou, a qual mais tarde Montmor transferiu para
Gassendi que, por não dispor de rendas pessoais comoDescartes,
aceitou para poder se manter.
Uma cópia manuscrita do Tratado das Paixões foi para a
Raínha Cristina da Suécia, quem, desde 1647, através do embaixador francês,
tinha obtido os trabalhos deDescartes e começou a escrever
para ele. Uma ambiciosa patronesse das artes e coletora de homens instruídos
para sua corte, ela estava ansiosa para conhecer o celebrado Descartes,
com o plano de naturaliza-lo sueco, introduzi-lo na aristocracia sueca e
dar-lhe uma propriedade em terras que havia tomado à Alemanha.
Mas, a despeito de pressionantes convites, inclusive o envio
de um almirante em seu vaso de guerra para busca-lo, Descartes estava
extremamente relutante em deixar Egmond, uma vila um pouco a noroeste de
Amsterdã, onde residia então. Descartes ofereceu
desculpas de todo tipo, sugerindo que era suficiente ler seus livros.
Finalmente ele aceitou e, como próprio escreveu, nascido nos jardins da
Touraine, ele foi para a terra dos ursos entre rochas e gelo.
Chegando em Estocolmo em outubro de 1649, Descartes foi
recebido com grande cerimônia e ficou impressionado pela determinação e energia
da rainha de 23 anos de idade e sua devoção aos estudos clássicos. Dispensado
da maior parte do cerimonial da corte, exceto de escrever versos franceses para
um ballet, sua obrigação principal era instruir a rainha em matemática e
filosofia. O horário da aula era cinco horas da manhã, o que o obrigou a
quebrar o hábito de se levantar diariamente por volta das 11 horas. No clima
rigoroso, onde, nas palavras do filósofo, os pensamentos do homem congelam-se
durante os meses de inverno, sua saúde deteriorou. Em Fevereiro de 1650, ele
pegou um resfriado que se transformou em pneumonia. Dez dias depois,
após receber os últimos sacramentos, faleceu.
Descartes foi, como um católico,
enterrado em cemitério reservado para crianças não batizadas. Em 1667, seus
restos foram trasladados para Paris e enterrados na igreja de Santa
Genieve-du-Mont. Desenterrado durante a Revolução francesa para ser enterrado
entre os pensadores franceses ilustres no Panteón, seu túmulo esta hoje na
igreja de St. Germain-des-Près.
Além de seus escritos publicados ou apenas rascunhados, Descartes deixou
uma correspondência volumosa e de grande valor documental, principalmente a
correspondência com Mersenne e com Antoine Arnauld. Ela cobre uma variedade de
campos, desde a geometria às ciências políticas, medicina à metafísica e,
principalmente, sobre os problemas da interação do corpo com o espírito,
buscando aspectos mecânicos e fisiológicos que pudessem explica-la.
Pensamento de Descartes
A maior parte da obra de Descartes é
consagrada às ciências, notadamente no domínios da matemática e da ótica.
Entretanto, o que ele mais procurou foi um modo de chegar a verdades concretas.
Sua filosofia, exposta principalmente no Discurso sobre o Método, o mais
amplamente lido de todos os seus trabalhos, é a proposta de meios para tal.
Descartes parte da dúvida chamada
metódica, porque ela é proposta como uma via para se chegar à certeza e não da
dúvida sistemática, sem outro fim além do próprio duvidar. Argumenta que as
idéias são incertas em geral e instáveis, sujeitas à imperfeição dos sentidos
(marca registrada do Racionalismo). Algumas idéias, porém, se apresentam ao
espírito com nitidez e estabilidade, e ocorrem a todas as pessoas da mesma
maneira, independentes das experiências dos sentidos. Isto significa que são
idéias inatas.
Descartes considera essas idéias claras,
distintas, e inatas e vai demonstrar que essas são as verdadeiras idéias. A
primeira idéia que examina é a do próprio Eu. Desta idéia, diz ele, não se pode
duvidar. É a idéia do próprio Eu pensante, enquanto pensante. E então conclui
com sua célebre frase: "Penso, logo existo".
É considerado muito provável que Campanella tenha inspirado
a Descartes sua célebre frase. Campanella foi o
primeiro filósofo moderno a estabelecer a dúvida universal como ponto de
partida para o pensar verdadeiro, considerando também a autoconsciência como
base do conhecimento e da certeza.
Apesar do Discurso de Descartes ter
saído antes da Metafísica de Campanella (1638), o próprio Descartes dizia
ter lido obras de Campanella, nas quais este deduzira vir da autoconsciência a
certeza da própria realidade. Mas, Descartes pondera a
idéia da existência como coisa pensante ("Penso, logo existo") e não
traz nenhuma certeza sobre qualquer idéia do mundo físico.
De todo esse raciocínio Descartes saiu
com apenas uma única verdade; a de que ele existe. E isto não basta para
encontrar a verdade sobre o universo. Uma de suas idéias considerada inata,
clara e evidente e que é exigida pelo mundo físico é a idéia da extensão.
Esta idéia sugere questionar se o mundo existe ou é uma
ilusão, apenas imaginação? Tenho várias idéias com grande nitidez e
estabilidade e delas compartilho com muitas pessoas, mas nada me garante que
não estejamos todos enganados. Essa idéia existe no espírito humano como a
idéia de algo dotado de grandeza e forma: é fundamental à geometria e torna
provável a existência dos corpos, a existência dos objetos e do mundo. Porém,
apesar de clara e distinta, a idéia de extensão não é garantia de que os
objetos correspondam às idéias que deles fazemos.
O problema está em encontrar uma garantia de que a tais
idéias de objetos correspondam efetivamente algo real. Sobre Deus Descartes concedera
também termos uma idéia. A garantia que Descartes dá
para a existência de Deus é que nenhum ser imperfeito ou finito, sendo igual ao
homem, poderia ter produzido a idéia de um ser infinito e perfeito; somente
Deus poderia ter revelado isto ao homem, como "a marca do artista impressa
em sua obra". Portanto, conclui no Discurso sobre o Método, a idéia de
Deus implica a real existência de Deus.
Voltemos então à noção de idéia clara, distinta e inata da
extensão. Se a percepção que temos da extensão não correspondesse a uma
realidade extensa, isso significaria que o espírito humano estaria sempre
errado, e então essa idéia de extensão seria obra de um gênio maligno,
incompatível com a idéia de um Deus bom e verdadeiro. Se Deus existe como ser
perfeitíssimo, Ele é bom e verdadeiro; não pode permitir o erro sistemático do
espírito humano. Porque Deus é perfeito, Ele é bom, e então a imagem do mundo
exterior não é uma ficção.
Eu tenho a certeza de que penso, e de que indubitavelmente
existo porque sou essa coisa que pensa e Deus é a garantia de que aquilo que penso
deve existir como coisa física. Portanto, as idéias claras e distintas
correspondem de fato à realidade, elas não são a armadilha de um gênio
enganador e perverso.
Outro aspecto importante da filosofia de Descartes é
sua concepção do homem em uma dualidade corpo-espírito. O universo consiste de
duas diferentes substâncias: as mentes, ou substância pensante, e a matéria, a
última sendo basicamente quantitativa, teoreticamente explicável em leis
científicas e fórmulas matemáticas. Só no homem as duas substâncias se juntaram
em uma união substancial, unidas porém delimitadas, e assim Descartes inaugura
um dualismo radical, oposto da consubstancialidade ensinada pela escolástica
tomista.
Ele também rejeita a visão escolástica de que existe uma
distinção entre vários tipos de conhecimento baseados na diversidade dos
objetos conhecíveis, cada um com seu conceito fixo. Para ele o poder de
conhecer é sempre o mesmo, qualquer que seja o objeto ao qual seja aplicado.
Bem aplicado pode chegar à verdade e à certeza, mal aplicado vai cair no erro
ou dúvida. A mente, em muitas de suas atividades, é dependente do corpo: a
paixão, ou seja, aquilo que é sentido, é uma ação sobre o corpo.
Fisiologicamente, Descartes colocou
o centro da interação entre as duas substâncias na glândula pineal, convencido
de que o aspecto geométrico de sua posição anatômica, - um pequeno corpo
localizado centralmente na base do cérebro -, indicava uma função nobre, porém
sem nada saber de sua atividade fisiológica por muito tempo desconhecida pela
ciência.
Alguns dão a Descartes a distinção
de haver fundado a psicologia fisiológica, porque foi ele que explicou o
comportamento de animais inteiramente em bases de funções mecânicas do sistema
nervoso, negando que tivessem almas. Ele também propôs uma teoria que explicava
a percepção visual de distancia, forma e tamanho, em termos de indicações
secundárias.
Descartes reconhece o corpo humano como a
mais perfeita das máquinas (mecanicismo); trabalha por impulsos naturais
(instintos), mas os efeitos destes instintos automáticos e desejos podem ser
controlados ou modificados pela mente, pelo poder de vontade racional. A
higiene do corpo é importante mas há, igualmente, a necessidade de uma higiene
mental, baseada no conhecimento verdadeiro dos fatores psicológicos que
condicionam o comportamento.
A mente necessita do treinamento do bom senso e da aquisição
de sabedoria, o que por sua vez depende do conhecimento das verdades da
metafísica, entre as quais, inclui o conhecimento de Deus. Descartes assim
conclui que a atividade moral está baseada no conhecimento verdadeiro dos
valores, ou seja, em idéias garantidas por Deus, claras e distintas, sobre o
valor relativo das coisas.
O seu Método para o raciocínio correto é principalmente
"nunca aceitar qualquer coisa como verdade se essa coisa não pode ser
vista clara e distintamente como tal".Descartes assim
implica a rejeição de todas as idéias e opiniões aceitas até ser convencido por
fatos auto evidentes. Outro preceito cartesiano é conduzir os pensamentos em
ordem, começando com os objetos que são os mais simples e fáceis de saber e,
gradualmente, preocupar-se com o conhecimento dos mais complexos.
Recomenda recapitular a cadeia de raciocínio para se estar
certo de que não há omissões. Propõe também preceitos metodológicos
complementares ou preparatórios da evidência:
1. O preceito da análise que divide as dificuldades que se
apresentem em tantas parcelas quantas sejam necessárias para serem resolvidas,
2. O preceito da síntese que conduz com ordem os
pensamentos, começando dos objetos mais simples e mais fáceis de serem
conhecidos, para depois tentar gradativamente o conhecimento dos mais complexos
e
3. O preceito da enumeração que enumera de modo a verificar
que nada foi omitido.
CLASSIFICAÇÃO DAS CIÊNCIAS
Em Princípios da Filosofia, Descartes classifica
as ciências quanto à sabedoria ou grau de clareza e nitidez de idéias possível
de se atingir em cada uma delas. A ciência, ele diz, pode ser comparada a uma
árvore; a metafísica é a raiz, a física é o tronco, e os três principais ramos
são a mecânica, a medicina e a moral, estes formando as três aplicações do
nosso conhecimento, que são, o mundo externo, o corpo humano, e a conduta da
vida.
Mas os conhecimentos científicos não bastam a si mesmos: o
tronco da física sustenta-se em raízes metafísicas. É o Bom Deus quem garante o
conhecimento científico, porque garante as idéias claras. A física cartesiana
resulta, assim, de deduções racionais abstratas: Deus existe e serve de apoio
para retirar do domínio da dúvida o conhecimento que é claro e evidente.
O mundo físico está de antemão provado por uma idéia inata,
a de extensão, que é a essência da corporeidade. Deus garante que idéias claras
da realidade têm correspondência na realidade, Deus torna os objetos
inteligíveis e os sujeitos capazes de intelecção, mas há que vencer a
imperfeição do homem, cujas impressões sensíveis vem de fora e são deformadas.
GEOMETRIA
O La Géométrie é a parte mais importante do
Discurso. Ele representa o primeiro passo para uma teoria dos invariantes, que
em estágios posteriores desrelativisa o sistema de referencia e remove
arbitrariedades; a álgebra faz possível reconhecer os problemas típicos na
geometria. A álgebra introduz na geometria os princípios mais naturais da
divisão e a mais natural hierarquia do método. Com ela as questões de
solvabilidade e possibilidade geométricas podem ser resolvidas elegantemente,
rapidamente e inteiramente da álgebra paralela; e sem ela não podem ser
decididas de modo algum.
Realmente, o grande avanço feito por Descartes foi
criar uma fórmula algébrica para representar um fato trivial e infantilmente já
conhecido por todos; de que um ponto em uma folha de papel retangular está
infalivelmente, como é evidente, onde as duas linhas de suas duas distancias
medidas perpendicularmente a duas margens adjacentes da folha, se encontram.
Em linguagem geométrica, isto quer dizer que um ponto em um
plano pode ser representado pelos valores (hoje chamados "coordenadas
cartesianas") das suas duas distâncias (x, y), tomadas perpendicularmente
a dois eixos que se cruzam em ângulo reto nesse plano, com a convenção de lado
positivo e negativo para um e outro lado do ponto de cruzamento dos eixos.
Então uma equação f (x,y) = 0 pode ser satisfeita por um
infinito número de valores de x e y. O importante é que esses valores de x e y
podem representar as coordenadas de vários pontos de uma curva, da qual a
referida equação expressa alguma propriedade geométrica, isto é, a propriedade
verdadeira da curva em cada ponto dela. Por exemplo, o gráfico da função f (x)
= x2 consiste de todos os pares (x, y) tais que y=x2, ou seja, é a coleção de
todos os pares (x, x2), como (1,1), (2, 4), (-1, 1), (-3, 9), etc. A curva
resulta ser uma parábola.
Qualquer propriedade particular desta curva pode ser
deduzida da equação, sem necessidade de se fazer o desenho da curva para
encontrar os pontos graficamente, e duas ou mais curvas podem ser referidas a
um e mesmo sistema de coordenadas; o ponto no qual duas curvas intersectam é
determinado pela raiz comum às suas duas equações. E isto é geometria
analítica, sua invenção.
Um de seus críticos diz que algumas idéias no La
Géométrie podem ter vindo de um trabalho anterior de Oresme mas reconhece
que no trabalho de Oresme não há nenhuma evidência de ligar a álgebra e a
geometria. Wallis, um contemporâneo de Descartes, argumenta
em sua Álgebra (1685), que as idéias do La Géométrie foram copiadas
do trabalho de Harriot sobre equações. Isto é considerado possível pelos
historiadores da matemática, apesar de que Descartes sempre
alegou que nada em sua obra era influência do trabalho de outros.
Dos dois restantes apêndices do Discurso, um era devotado à
ótica, outro a natureza. Seu maior interesse está nas leis da refração,
coincidentes no entanto com os achados de Snell, cujos experimentos originais Descartes deve
ter repetido em Paris, em 1626 e 1627 e, provavelmente se esqueceu de
mencionar.
Grande parte da ótica está dedicada a determinar a melhor
forma para as lentes de um telescópio, mas as dificuldades mecânicas para polir
uma superfície de vidro até uma forma requerida eram tão grandes naquela época
que tornavam essas pesquisas de pouca utilidade prática.
De qualquer forma, os escritos de Descartes revelam
que estava em dúvida se os raios de luz procediam do olho e tocavam os objetos,
como supunham os gregos, ou se, ao contrário, procediam do objeto e afetavam o
olho. Porém, como ele considerava a velocidade da luz ser infinita, ele não
considerou esse ponto particularmente importante.
Em Meteoros, Descartes discute
numerosos fenômenos atmosféricos, inclusive o arco-íris, que não explica
corretamente por ignorar fatos importantes relativos ao índice de refração das
substâncias para diferentes cores de luz. Sua física do universo, de base
metafísica, reunindo muito do que havia preparado para o não publicado Le
Monde, encontra-se exposta no seu Principia, de 1644.
Descartes não acredita em ação à
distância. Conseqüentemente, não podia admitir haver vácuo em torno da terra e
sim alguma matéria que seria o meio pelo qual as forças poderiam ser
transferidas. A mecânica de Descartes supõe o universo
cheio com alguma matéria que, devido a algum movimento inicial, se estabeleceu
como um sistema de vórtices que carregam o sol, as estrelas, os planetas e seus
satélites, e os cometas em seus trajetos.
Por muitas razões a teoria de Descartes,
é mais satisfatória do que o efeito misterioso da gravidade agindo a distância.
Ele assume que a matéria do universo tem que estar em movimento, e que o
movimento deve resultar em diversos vórtices. Sustenta que o Sol está no centro
de um imenso redemoinho de matéria, no qual os planetas flutuam e são
arrastados em círculo como palhas em um redemoinho de água.
Supõe que cada planeta está, por sua vez, no centro de um
redemoinho secundário no qual os seus satélites são carregados em órbita. Estes
redemoinhos secundários supostamente produzem variações de densidade no meio
que os circunda e assim afetam o redemoinho primário principal, fazendo os
planetas se moverem em elipses e não em círculos.
De acordo com essa concepção, o Sol estaria no centro das
elipses planetárias e não em um de seus focos, como Kepler havia demonstrado.
Newton, em 1687, examinou sua teoria e verificou que não apenas estava em
desacordo com as leis de Kepler mas também com as leis fundamentais da
mecânica. No entanto, apesar de seus defeitos, a teoria dos vórtices marca um
momento na astronomia, porque foi uma tentativa feita, antes de Newton, de
explicar todo o universo por leis mecânicas conhecidas na terra e não milagres
do céu.
More perguntou a Descartes: "Por que
os seus vórtices não são em forma de coluna ou cilindro (como um ciclone) em
vez de elipses, desde que, tanto quanto eu entendo, qualquer ponto do eixo de
um vortex é como se fosse o centro do qual a matéria celestial se afasta com um
ímpeto inteiramente constante?" Mas Descartes não
lhe deu resposta.
Apesar dos problemas com a teoria dos vórtices, ela dominou
na França por quase cem anos, mesmo depois que Newton mostrou que ela era
impossível como um sistema dinâmico. Embora não aplicável ao sistema
planetário, provou ser verdadeira quando se descobriu a forma das galáxias que
revolvem ao redor de um burado negro que é um vórtice.
Guilherme SM - René Descartes - in. Link Origins, Internet, disponível em http://linkorigins.blogspot.com.br, revisto em 2010
Estas páginas são, predominantemente, resumos do artigo René
Descartes, in. Filosofia Moderna - Rubem Queiroz Cobra
COBRA.PAGES.nom.br, Internet, Brasília, 1997. Disponível na
internet em Filosofia Moderna
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